Política de drogas do Brasil pode ter mais um retrocesso

Projeto de lei que tem como um dos principais pontos a internação compulsória de dependentes ganha prioridade no Senado.

Passadas três semanas da polêmica aprovação no congresso uruguaio do projeto que legaliza a maconha no país – a matéria deve ser votada no Senado até outubro e tem grandes chances de ser aprovada – a discussão sobre a política de drogas do Brasil volta à tona.

Enquanto o pequeno país vizinho, de 3,3 milhões de habitantes, está prestes a implantar um sistema inédito de produção e comercialização da erva cannabis controlado pelo estado, por aqui especialistas afirmam que estamos perto de dar mais um passo para o retrocesso.

O PLC-37, projeto que altera a lei da política de drogas do Brasil (11.343/2006) e tem como uma das principais propostas a internação compulsória de dependentes químicos, entra na chamada “pauta positiva” do Senado.

Para atender às demandas da população após a manifestações em junho, os parlamentares separaram algumas propostas que julgaram ser relevantes para a sociedade e entraram em um acordo para acelerar a votação das leis.

Dessa maneira, o projeto (PLC-37) de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS) e aprovado na Câmara no final de maio engorda essa lista, que engloba em sua maioria matérias relacionadas à saúde e educação e transporte público.

“No âmbito legislativo, só consigo ver retrocesso na política de drogas. Eles [os parlamentares] usaram a desculpa das manifestações para evitar maior discussão acerca da lei e acelerar sua aprovação”, afirma Renato Malcher, neurocientista e professor adjunto do departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade de Brasília (UnB).

Um dos principais pontos de mudança é a internação involuntária do dependente de droga mediante autorização da família ou do médico, prevista no artigo 23 da lei e que, de acordo com o professor, atende aos interesses da bancada evangélica. A opinião é compartilhada pela professora de Direito Penal da UFRJ Luciana Boiteux, que concentrou seus estudos de doutorado em modelos de controle de drogas.

“O que está guiando essa lógica no congresso infelizmente é uma disputa por financiamento. A bancada evangélica defende o chamado lobby das comunidades terapêuticas. A grande maioria das clínicas de tratamento, que é ligada a comunidades religiosas, seria financiada pelo estado com a aprovação da lei”, explica Boiteux.

O deputado Osmar Terra, no entanto, afirma não ter nenhum tipo de vínculo religioso e nem ligação com a bancada evangélica. “As comunidades terapêuticas são muito pobres e foram criadas por padres e pastores para sanar a ineficiência do estado”, rebate Terra.

Usuário com pena de traficante

De acordo com Boiteux, além da questão da internação compulsória, o texto não modifica um dos maiores problemas da lei 11.343/2006 – o artigo 33, que não aponta critérios objetivos (a quantidade de droga portada) para diferenciar o usuário do traficante.

“Tudo leva a crer que muitos usuários estão sendo presos como traficantes, ainda que estejam com pequenas quantidades”, afirma a professora. Tal hipótese foi levantada através do seu projeto de pesquisa, que analisou a aplicação do artigo 33 (de tráfico) da lei pelos juízes de primeira instância dos foros centrais do Rio de Janeiro e Brasília entre março de 2007 e julho de 2009.

Uma das conclusões do trabalho é que, com relação a quantidade de droga apreendida em Brasília, 68,7% dos processos se referem à quantidade de maconha inferior a 100 g. “O que revela a criminalização de quantidades baixas como tráfico”, diz o texto.

Já no Rio de Janeiro, em 50% dos casos, a quantidade de maconha apresentada foi
de até 104 g.

Para determinar se a droga é destina para uso pessoal, o juiz verifica a quantidade da substância apreendida e as circunstâncias em que se realizou a prisão. Para Terra, estabelecer uma quantidade objetiva que caracterize o usuário é inviável.

“Um sujeito viciado em crack fuma 500 pedras em dez dias. Então uma pessoa pode ser presa com 300 pedras no bolso e ser usuário, e outro com uma pedra no bolso e um bolo de dinheiro no outro e ser traficante”, argumenta.

Na contramão, Boiteux defende que as mudanças na legislação tem de ser largamente discutidas, o que traria sugestões para sanar problemas como esse, por exemplo. “Ao contrário disso, o PL-37 reafirma a lógica proibicionista e causa um retrocesso na política manicomial”, diz.

“Acredito que essa iniciativa inédita no Uruguai pode contribuir para uma discussão mais embasada e menos preconceituosa em relação a política de drogas aqui no Brasil”, emenda.

Via Brasil Econômico

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