“Pelo direito de tentar”: reflexões sobre a legalização da maconha

O Brasil ao longo dos 90 anos tem tratado a questão da maconha com leis proibicionistas e repressivas, abordando esta questão sempre por um viés envolto em tabus, preconceitos e de forma moralista. Cada um de nós tem o direito de ter a opinião que quiser sobre o assunto. Entretanto, o Estado não pode tratar temas de interesse público com visões superficiais, preconceitos e opiniões individuais. Precisamos de dados, analisar a eficácia das políticas públicas até aqui implementadas e, independente da estratégia adotada, seguir acompanhando seus resultados.

A maconha há muito deveria deixar de ser tratada como questão penal e passar a ser considerada uma questão social e de saúde pública. A política americana do governo Nixon de Guerra às Drogas mostrou-se falida e ineficiente. Produziu o hiperencarceramento de jovens, majoritariamente negros e pobres, o aumento da violência e da corrupção das esferas públicas, enquanto os grandes traficantes, que moram muito longe das periferias, seguem livres e impunes. Aliás, o mercado de drogas é o maior mercado ilegal do mundo, marcado pela violência e pelos lucros exorbitantes. Isso sem contar a necessidade de investigar as instituições financeiras que “lavam” o dinheiro sujo do narcotráfico.

É neste sentido, de combate ao narcotráfico, com a intenção de regular o plantio e a comercialização, que o presidente do Uruguai, Pepe Mujica, propõem transformar os recursos oriundos dos impostos arrecadados em políticas públicas de prevenção, em campanhas educativas contra as drogas e na redução de danos. Assim, permitindo que grande parte do narcotráfico seja desmantelado ao mesmo tempo em que estes recursos exorbitantes possam ser usados em políticas públicas.

Aliás, foi assim que o tabaco, droga que causa muitos danos e é legalizada, teve o consumo reduzido em 20%. A partir de legislação de restrição de uso, de controle de propaganda e campanhas sistemáticas de alerta dos riscos e doenças causadas pelo seu uso contínuo. Não com a sua proibição.

Apesar da Lei 11.343/2006, descarcerizar os usuários da maconha, as condenações por tráfico aumentaram, correspondendo, em média, na maior parte dos apenados. Além das prisões dos “varejistas” do trafico, isso ocorre também por que a lei deixa a critério da autoridade policial, e depois da judiciária, a análise da quantidade da droga e as circunstâncias. Possivelmente, um jovem branco e de classe média alta com 10 gramas tende a ser considerado usuário, já um jovem com a mesma idade e mesma quantidade sendo pobre e negro, provavelmente, será julgado como traficante e sujeito a penas de longos anos em presídios. Assim, vai se constituindo a criminalização da juventude de periferia, enquanto os grandes traficantes seguem livres, leves e soltos.

A questão tratada comumente que a maconha seria uma porta de entrada para outras drogas mais pesadas é um argumento sério e que deve ser considerado. Afinal, o usuário pode ter contato com drogas químicas e mais pesadas justamente na busca no mercado ilegal. Entretanto, creio que qualquer uma das drogas legalizadas podem ser as ditas portas de entrada, tais como tabaco e álcool. Vale a pena refletir sobre a pesquisa do Dr. Dartiu Xavier da Silveira na qual 68% de usuários de crack, largaram o vício desta droga, que é um verdadeiro veneno, com o apoio do uso da maconha. Após 1 ano, estes mesmos largaram também a maconha. Quem sabe esta possa ser a porta de saída? São reflexões necessárias.

Felizmente, vários países vêm adotando novas políticas sobre o tema. Mesmo os EUA, que sempre foi usado como “modelo” na política da Guerra às Drogas, reconheceu a falência desta política e vários estados estão mudando sua legislação. Em Portugal, desde 2001, pequenas quantidades são toleradas e políticas de redução de danos avançaram enormemente. Na Espanha, até 50 gramas de haxixe é considerado consumo pessoal. Entretanto, considero a lei Uruguai a mais avançada do mundo, porque ao mesmo tempo em que visa combater o narcotráfico não permite que a maconha se torne mais uma mercadoria no mercado capitalista, estando sobre controle do Estado sua regulação e pretendendo que os recursos oriundos daí sejam na totalidade investidos em saúde, prevenção e redução de danos. Aliás, permite o plantio caseiro desde que não ultrapasse quantidades para além do consumo pessoal, evitando surgimento de focos de tráfico.

De qualquer modo, o Brasil segue atrasado e na contramão da história. Segue fazendo o debate em torno de tabus enquanto nossos jovens seguem morrendo. Vários movimentos estão fazendo debates importantes, mas os governos e parlamentos seguem não apenas se esquivando do tema, mas propondo saídas mais repressivas e proibicionistas. Por mais incrível que pareça, o centro do debate no Brasil sobre drogas é a internação compulsória!!!! Esta política já esta falida. É necessária outra política! Como afirmou Pepe Mujica em entrevista recente “Queremos combater o narcotráfico roubar-lhe o mercado e deixá-lo sem negócio. Se conseguiremos, não sei. O que pedimos é o direito de tentar, diante do evidente fracasso, em todos os lugares, que a repressão teve.”

Com informações do Parecer do Conselho Federal de Psicologia (CFP) sobre o Projeto de Lei nº 7663/2010. Disponível em <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2013/03/Parecer-Conselho-Federal-de-Psicologia-PL-7663-2010.pdf>

Texto por Fernanda Melchionna é vereadora do PSOL em Porto Alegre e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal

Via Sul 21

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