Para a proteção da sua família devemos regulamentar a maconha

As vantagens de uma regulamentação responsável da maconha são inúmeras e podem ser observadas em países com leis mais evoluídas como o Uruguai, onde é muito mais difícil que uma criança tenha acesso a algum tipo de droga, o que acontece rotineiramente no Brasil. Saiba mais sobre o assunto no texto de Gabriel Murga para a Smoke Buddies.

No novo ano que se apresenta para os brasileiros, ainda com um teaser pré-carnavalesco, teremos uma série de desafios nas pautas ligadas à regulamentação da produção e do consumo da cannabis. A começar pelo projeto do ministro de desenvolvimento social e agrário, o proibicionista Osmar Terra (PMDB-RS), que pretende criminalizar novamente os usuários de maconha e outras substâncias, submetendo-os a penas que variam entre 4 e 10 anos de prisão, retrocedendo um pouco mais a nossa já antiquada legislação, o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, nosso Atual código penal.

Em paralelo a isso, no fim do ano passado, a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP) proferiu seu voto favorável ao cultivo de maconha para fins terapêuticos, na Sugestão popular 25 (SUG-25) que foi apoiada por mais de 125 mil pessoas e aprovada pela Comissão de Direitos Humanos do Senado, por fim virando o Projeto de Lei do Senado n° 514 de 2017.

Todos os anos, milhares de pessoas são presas, mortas, agredidas e têm seus direitos violados, e é fundamental lembrar todos os dias que essa escolha da seletividade penal é fruto de um sistema racista, em uma sociedade racista, onde tiros, socos, duras e “esculachos” seguem afetando de forma majoritária a população negra e moradora de áreas periféricas.

A população de modo geral ainda é levada a consumir um produto sem controle de qualidade ou mesmo não tendo certeza do que contém, já que em alguns locais o que menos se tem na maconha é maconha. Seja para o uso social ou como remédio, a cannabis consumida no Brasil ainda é considerada impura em sua grande maioria. As pessoas que desejam obter a erva, podem conseguir comprar a planta in natura, com um custo elevado e sem ideia de qual seu efeito e sua potência, ainda que isso esteja restrito à população com mais dinheiro. Ou há ainda a opção de ter seu próprio cultivo, que pode ser usado na produção de extratos, óleos, das flores que podem ser usadas para cozinhar, fumar ou vaporizar, porém sempre correndo o risco de responder criminalmente como traficante, podendo ser condenado de 5 a 15 anos de reclusão. Os usuários de maconha com objetivos terapêuticos ou os que desejam fazer uso social e que não estão inseridos nessa realidade social enfrentam barreiras que podem colocar sua vida ou sua saúde em risco.

É preciso lembrar também que o MDB (Movimento Democrático do Brasileiro) segue, há muito tempo, decidindo quem fuma, o que fuma e como fuma. Enquanto o nosso país segue matando mais de 63 mil pessoas por ano e tem um número total de mais 728 mil pessoas encarceradas, o dobro da capacidade prisional do país. Os usuários que compõe a maioria da nossa população enfrentam as balas que matam, o presídio que tortura, ou contam com a sorte para terem dignidade.

Aliás, contar com a sorte ou acaso parece ser encarado como uma forma de “fazer” políticas públicas em terras brasileiras. “Omitir e não fazer”, seria um ótimo slogan sobre a “política de drogas” brasileira. Na outra ponta acesa do processo, trago verdes novas da província cisplatina.

Enquanto isso, o governo uruguaio parece lutar para que os 4 milhões de turistas recebidos em 2017 foquem seus esforços nos cassinos, churrasco e chimarrão. A estratégia dos três “Cs” suponho eu. A ministra do Turismo do país, Liliam Kechichian, passa boa parte do seu expediente de trabalho repetindo que “não há Turismo Canábico” tanto para a imprensa local quanto para a estrangeira. “Nunca” ela afirmou de forma categórica sobre uma possível mudança para um modelo que contemple os turistas (cerca de 500 mil brasileiros anualmente, uma estimativa de 4 milhões no total em 2017, segundo dados do Ministério de Turismo).

Insisto na ideia de que o modelo brasileiro sobre a maconha deve sair do nosso próprio solo e dessa vez sem esquecer da reparação necessária às comunidades e à população negra, periférica e indígena, que sofre, sangra e morre no rastro da pólvora da proibição e da ainda renitente Guerra aos Pobres que se camufla de guerra às drogas. Sobre a relação da cannabis com os povos tradicionais do Brasil, recomendo que assistam este excelente e necessário doc-curta nacional sobre o hábito de fumar de algumas populações, o “Dirijo” . Pare e assista, depois você volta e continua. São 11 minutos que precisam ser vistos e escutados com quem você conhece e tem opiniões mal elaboradas sobre a planta.

Nas nossas andanças e rolés e em centenas de conversas ao longo de anos sobre esse tema, um tipo de público “contrário à maconha” sempre me chamou atenção. Os que desejam proteger seus filhos e filhas, netas e netos, e as pessoas de “mais idade” de um contato visual que poderia “danar” a vida deles, para usar uma expressão da época. Detalhe é que conheci pessoas entre 18 e 88 anos de idade que pontuam de forma legítima, diga-se, a preocupação com a parcela mais suscetível ao um comportamento que pode ser tornar socialmente aceito, ainda que seja inadequado a determinadas pessoas. Como por exemplo, crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento e formação educacional, físico e mental que não deveriam consumir cannabis.

Regular es ser Responsable: Embalagem da maconha vendida nas farmácias habilitadas – Foto: Letícia Semeraro.

Educar para não punir: onde é legalizado o acesso torna-se mais difícil, principalmente para as crianças e jovens que, no Brasil, em centenas de áreas de classe média ou periféricas vão usar drogas no dia de hoje, com o acesso ao alcance de suas mãos. No Uruguai, isso é muito mais difícil e existe em uma escala muito menos intensa, onde a saúde pública e as pesquisas voltam a sua atenção para o alto consumo de álcool entre adolescentes e crianças.

Num lugar onde a maconha está regulamentada, o oposto extremo do atual panorama brasileiro, a obtenção de maconha é imensamente mais difícil do que no nosso país. Em centenas de cidades brasileiras, com alguma conversa, consegue-se qualquer tipo de droga ilícita. Aqui a maconha está liberada, sem regulação, sem legislação, sem direito ao auto-cultivo, com grupos armados lucrando em parte e grupos de Armani recebendo altos lucros que jamais são investigados como devem. Sim, aquela aeronave que parece um beija-flor e carrega muitas toneladas. Em termos práticos: é muito mais fácil alguém comprar ou consumir em frente à sua casa ou na praça em frente a uma escola aqui no Brasil do que no Uruguai.

Regular é educar, e quando necessário punir. Mas já passou e muito do momento em que ninguém deveria estar privado de sua liberdade por plantar ou consumir maconha e, por isso, ser inserido em um sistema carcerário falido e que foi pensado para não ressocializar, embora às vezes o faça por iniciativas individuais ou coletivas, mas muito distante do ideal. No Brasil, a venda e consumo de maconha estão liberados. No Uruguai, foi controlado e vamos falar mais sobre isso.

“Ah, então você quer me dizer que no Brasil qualquer um, independentemente da idade e caso tenha algum dinheiro, pode ter acesso a uma droga que está ilícita aqui mais facilmente do que no Uruguai, onde se cometeu o disparate de ‘liberar a erva para todas as pessoas?’”

Sim, e você entendeu tudo errado.

“Mas você passou alguns poucos dias lá, durante o réveillon, junto com milhares de uruguaios e pessoas de diversas nacionalidade durante o maior evento do ano. Você está se precipitando, em outra época poderia ser diferente.”

Talvez eu não tenha entendido realmente.

Estive desfrutando e vivendo uma liberdade com regras, ao contrário de como as coisas são onde sempre andei.

Aqui, as regras que retiram a liberdade.

Acompanhe nossa série de artigos sobre o Uruguai aqui no Smoke Buddies.

No próximo artigo você confere semelhanças e diferenças práticas sobre a maconha no Brasil e no Uruguai. Hasta Pronto!

Fotografia de Capa: Letícia Semeraro – Museu del Cannabis no Uruguai.

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Sobre Gabriel De Lucia Murga

Assessor de imprensa, relações públicas e jornalista freelancer formado pela UERJ. Já trabalhou na Folha de São Paulo, no jornal Lance!, na assessoria de imprensa da Árvore de Natal da Bradesco Seguros (entre 2012 e 2014) e no escritório brasileiro da Anistia Internacional (entre 2016 e 2018). Colabora regularmente para a Smoke Buddies e Socialista Morena. Já colaborou com a revista Cáñamo na Espanha e no Chile, a Diga Communications UK, o Prêmio Gilberto Velho Mídia e Drogas 2017, entre outras organizações públicas e privadas. Lançou seu primeiro livro em 2018, "Brisas" pela Autografia Editora, e seu primeiro trabalho como compositor de música brasileira, o EP "77 Rotações". Contato, críticas e sugestões em: gabrieldeluciamurga@gmail.com
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