PACOTE DO MORO

Ilustração pintada em tinta guache de cor preta, pela artista plástica Marta Bonimond, que faz alusão ao sistema prisional brasileiro, onde pode-se ver as grades de uma cela mostrando um fundo negro e de onde saem braços. Moro.

Enquanto nos EUA, o governo segue no caminho de reduzir a população carcerária, reformando seu sistema penitenciário, no Brasil, o ministro da Justiça segue na contramão com um projeto anticrime que não terá outro resultado que não seja a privatização dos presídios. Entenda mais sobre o tema no artigo do advogado e ativista Dr. André Barros.

Sérgio Moro, ex-juiz e atual Ministro da Justiça, apresentou projeto chamado de Lei Anticrime, com três eixos: combate à corrupção, ao crime organizado e aos crimes praticados com grave violência à pessoa.

No que concerne à corrupção, a proposta apresenta a perda dos bens como instrumento importante. O perdimento dos bens está previsto nos incisos XLV e XLVI do artigo 5º da Constituição Federal como sanção penal. Mesmo colocando que os “bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento” podem ser perdidos, a proposta insere a sanção de forma tímida como efeito da condenação.

Considero que a pena correta para os chamados “crimes do colarinho branco” é a perda dos bens. Prisão, só em casos de crime contra a vida, latrocínio, estupro e outros poucos. O perdimento de bens é a perda do status de rico. Há anos, casos de corrupção vêm tomando os noticiários de nosso país. Milionários e bilionários que combinam os preços e os vencedores de licitações de obras e serviços públicos foram presos. Primeiro, é importante registrar que nenhum deles ficou no mesmo estabelecimento penal que os pobres. Os presos são divididos em classes, da mesma forma que nossa sociedade. Os pobres estão presos no Brasil em verdadeiros campos de concentração, onde nenhum condenado rico ficou.

Vimos que os vencedores das concorrências públicas e os preços das passagens, dos pedágios, da merenda escolar, dos aparelhos hospitalares, das obras das Olimpíadas e da Copa do Mundo, da Petrobrás, da Oderbrecht, de outras grandes construtoras e das quentinhas dos presídios são criminosamente combinadas por empresários milionários e bilionários elegendo e corrompendo políticos e altos funcionários públicos. Onde estão os bilhões que entraram no Rio de Janeiro com tantos eventos internacionais? Como depois deles o Rio de Janeiro está em grave crise financeira? Esses assaltantes dos cofres públicos deveriam perder todos os bens e, consequentemente, o status de rico, essa á a pena adequada. Esse populismo penal da prisão de bilionários é uma farsa, não traz qualquer retorno à sociedade e ainda traz despesas. O Brasil precisa lutar pela pena da perda dos bens para esses milionários e bilionários que combinam os assaltos públicos em regabofes de whisky e canapés.

Em relação aos crimes contra a vida, as medidas são demagógicas, pois o sistema condena mesmo os usuários, aviõezinhos, plantadores e pequenos traficantes pobres. Não existe um traficante milionário e bilionário condenado nas cadeias brasileiras. Essas facções incrivelmente reconhecidas e citadas nominalmente na proposta do Ministro da Justiça são organizadas pelo próprio Estado. Quando um jovem é preso no Rio de Janeiro, na triagem, o agente penitenciário pergunta: “qual é a sua facção?”. Milhares respondem que não são de qualquer facção. Então, o agente pergunta onde moram. De acordo com o local, como os agentes sabem as facções que dominam cada área, ele encaminha o jovem, quase sempre um jovem negro, ao estabelecimento prisional da facção que domina o local de moradia do prisioneiro.

Para começar a reduzir toda essa violência, o primeiro passo e o verdadeiro pacote deveria ser o da legalização do mercado da maconha para todos os fins no Brasil, principalmente como questão de segurança pública.

O Ministro da Justiça do Brasil, de formação norte-americana, prefere importar um modelo que nem é mais utilizado, que já está sendo reformado até pelo governo Trump e apoiado tanto por Democratas quanto por Republicanos. Para reduzir a população carcerária, em dezembro de 2018, o Senado dos Estados Unidos, por 87 votos a favor e 12 contra, aprovou a chamada First Step (Primeiro Passo), reforma de um sistema penitenciário e judicial tachado de racista, injusto e duro. A Câmara dos Representantes também aprovou, por 358 a favor e 36 contra, e Trump já assinou. Os EUA têm a maior população carcerária do mundo, com dois milhões de presos em 300 milhões de habitantes. Nós estamos em terceiro lugar no mundo, beirando 800 mil presos, numa população de 200 milhões de habitantes.

O Ministro da Justiça está completamente na contramão da história e do próprio modelo que supostamente seria importado dos Estados Unidos. Enquanto eles fecham presídios privados, legalizam o mercado de venda de maconha, a fim de reduzir a população carcerária, aumentar as receitas e reduzir as despesa, nosso Ministro quer aumentar a população carcerária, com mais penas e mais repressão à maconha e às drogas. Como nossos estados, em grave crise financeira, não poderão arcar com esse volumoso aumento de despesas, o que está na mira dele é a abertura do grande negócio da privatização dos presídios. O Pacote do Moro deve ser rejeitado em sua totalidade!

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#PraCegoVer: ilustração (de capa) pintada em tinta guache de cor preta, pela artista plástica Marta Bonimond, que faz alusão ao sistema prisional brasileiro, onde pode-se ver as grades de uma cela mostrando um fundo negro e de onde saem braços.

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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