Especial Vice – O verde das notas: como a cannabis criou um comércio legal no Brasil

A maconha ainda não foi legalizada no Brasil, contudo todo um mercado legal voltado à erva se desenvolveu no país desde 2011, quando o STF decidiu que era legítima a Marcha da Maconha, movimento com o qual os empreendedores de tabacarias a marcas de street style estão engajados. Saiba mais sobre o tema com as informações da quarta matéria especial da série Semana Canábica da VICE Brasil.

Tabacarias, coffee e headshops e marcas de street style formam o lucrativo mercado que, legalmente, se apoia no consumo da droga no país.

Com 4/20 aí, na sexta-feira (20/04, pô), a VICE Brasil, em parceria com a Bem Bolado, resolveu apresentar cinco dias de matérias especiais sobre a situação da legalização no Brasil que batizamos de Semana Canábica. Entre 16 e 20 de abril, nossa coluna Baseado em Fatos apresenta os artigos, culminando com um documentário. Além disso, o endereço vai agrupar todas as nossas informações prévias e futuras sobre o universo da maconha.

“Eu precisava mostrar [pra galera da favela] o quanto antes quão importante é estar perto do centro, perto do dinheiro”, fala Johnny Sahell, em frente ao seu headshop Stuffa, no bairro de Jacarézinho, zona norte do Rio de Janeiro. “Tá tudo concentrado pra cá.”

Sahell é um novo empreendedor da favela: dono da primeiro coffee shop numa comunidade do Rio, ele abriu sua Stuffa em 2016 para usar, também, como um lugar para difundir a cultura hip hop. Nesses um ano e meio no jogo de produtor canábicos, porém, Sahell percebeu que sua loja está dentro de uma lógica de mercado muito maior e mais complexa. Hoje, já pensa em estender a filial a outras favelas próximas.

Sahell teve a visão de levar o coffee shop à favela, mas não é de hoje que o Brasil desenvolve um mercado legal e paralelo ligado ao consumo da cannabis. Entre outras, a VICE conversou com marcas como a Bem Bolado, a Squadafum e a Smoke Buddies pra entender como funciona esta parada.

#PraCegoVer: Fotografia de prateleiras de uma loja com bongs, bonés e outros itens voltados à cultura canábica. Crédito: VICE.

Os criadores por trás dessas e outras marcas sempre estiveram ligados à cannabis de alguma forma – seja pessoal ou já profissionalmente –, mas parece haver um ponto de partida em comum entre os empreendedores canábicos: a decisão de liberar a Marcha da Maconha, feita em unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal em junho de 2011. A decisão prevê que “o artigo 287 do Código Penal deve ser interpretado conforme a Constituição, de forma a não impedir manifestações públicas em defesa da legalização de drogas”.

“Após essa decisão, podíamos falar abertamente sobre cannabis, então criamos uma fanpage e site para disseminar notícias e informar sobre o andamento das políticas públicas em relação a maconha”, fala Celso Junior, um dos sócios donos da Smoke Buddies, que mais tarde se tornou também uma marca de vestuário e produtos canábicos em geral. A Smoke Buddies nasceu ainda em 2011, no Rio de Janeiro, através de um grupo secreto em que Celso e os amigos “explanavam seus momentos de relaxamento com a erva”, conta.

Também nessa época, a Squadafum nascia pelas mãos de Fernando Frazi, ou Jarrão, que carregava o nome como uma grife de pixação desde 1995. Foi em 2003 que Jarrão começou a se envolver comercialmente com o consumo de cannabis, quando começou a trabalhar em um headshop no centro de São Paulo. “Nessa época, eu contava na mão as HS do país. Mas, oito anos depois, esse mercado cresceu. Tabacarias tradicionais abriram espaço. Distribuidores do mercado de tabaco tradicional procuravam por esses produtos [acessórios canábicos], que eles chamavam de ‘contemporâneos’.”

Leia: Lojas de produtos legais relacionados à maconha se espalham no Rio

Percebendo essa demanda, Jarrão e mais dois “amigos de infância” e futuros sócios, Guilherme e Junior, juntaram as economias e foram pra Índia sem falar inglês e com endereços de fábricas procurados no Google à procura de bongs e glass pipes. Quando voltaram, o estoque esgotou mais rápido do que esperavam. “Em 2011, fizemos a primeira importação e um distribuidor tradicional de São Paulo comprou todas as nossas peças, apostando nesse mercado novo. Com essa compra, conseguimos nos capitalizar e arrumar o meio de campo. Estudamos e fomos aprendendo na raça como funciona a operação de uma importação.”

Apesar da alta demanda, Jarrão comenta que ainda há certos cuidados a se tomar com a nacionalização desses produtos. Além de não importar produtos com a imagem da folha de cannabis estampada, a Squadafum também toma o cuidado de não vender peças no varejo; apenas para pessoas jurídicas. “Além disso, gostaria muito de ter a linha de produção trabalhando aqui, mas é inviável por conta de tamanha taxação de impostos.”

A lei brasileira não prevê a criminalização de acessórios ou produtos relacionados ao consumo de cannabis. Como conta Thiago, parte do time comercial e financeiro da Bem Bolado, “a forma como [o consumidor] vai usar esse acessório é responsabilidade dele.” Mas ainda há certa inibição ao mercado, mesmo que realizado licitamente, como fala João Paulo Costa, desenvolvedor do aplicativo Who Is Happy. Uma espécie de “FourSquare da maconha”, o Who Is Happy nasceu depois que João, que já tinha uma relação próxima com a cannabis por usá-la de forma medicinal para controlar sua epilepsia, se envolveu com o desenvolvimento de aplicativos. O app funciona da seguinte maneira: quando um usuário está fumando, ele informa o aplicativo e uma fumaça verde aparece em sua localização no mapa. Além de registrar as atividades dos usuários, ele também compila as farmácias e dispensários de cannabis nas cidades ao redor.

O projeto começou por aqui, mas teve de ser internacionalizado porque poderia ser considerado como apologia ao uso da droga. “O Who Is Happy poderia estar operando no Brasil, desenvolvendo projetos e negócios no Brasil, mas acabo tendo que sair. Acho que isso vai acontecer cada vez mais, vejo empresas e profissionais migrando pro Uruguai e outros países. A gente acaba perdendo [esse mercado] até legalizar.”

Por conta disso, os empreendedores também se envolvem com a parte ativista de lutar pela legalização e com a regulação do mercado de consumo de seus produtos. “Nossa história começou junto à militância e nossa missão é a de ‘semear informação’, então nunca achamos que poderíamos nos profissionalizar como mídia”, fala Celso. “A necessidade de uma regulação e a inércia do governo fazem as próprias marcas, lojistas e consumidores a determinarem como este mercado evolui, então temos uma grande chance de fazer com que este mercado seja regulado de forma responsável.”

A disseminação de informação também é questão importante para Cesar Mello, criador da Dab Busters. A empresa foi fundada em 2016 e é pioneira na importação da Rosin Press, prensa que aquece e pressiona o bud para extrair a resina e produzir óleos e essências para uso medicinal. “Tentamos focar o lado medicinal e redução de danos, pois é isso que estamos precisando no momento – medicar as pessoas corretamente, ensiná-las como usar desse poderoso remédio”, diz Cesar.

Johnny também concorda que, principalmente na favela, a disseminação de informação correta sobre o uso da droga é um papel da marca; por isso, a Stuffa se tornou um dos principais pontos de distribuição da revista Maconha Brasil. “Informar o que é piteira, informar sobre o tipo de papel, informar que o óleo tá chegando, informar que as crianças da favela sofrem com ‘n’ doenças. Informar é o mais importante.”

Cesar completa: “Hoje, o principal dever de todo usuário de cannabis é informar as pessoas corretamente sobre o máximo de questões possível. Só assim as pessoas vão mudar o posicionamento sobre a legalização.”

#PraCegoVer: Fotografia de Johnny Sahell em frente à headshop Stuffa, ao fundo um cartaz escrito “seda 1,50”. Crédito: Felipe Larozza – VICE.

Deixe seu comentário
Assine a nossa newsletter e receba as melhores matérias diretamente no seu email!