O que os parlamentares pensam sobre políticas de drogas?

Frente a exemplos internacionais como Uruguai e EUA, o Congresso precisa aprovar projetos de lei que mudem o status quo com relação a como tratamos as drogas e seus usuários no país. Mas na prática, as coisas são bem mais difíceis. Em texto para o jornal Nexo, o cientista político e coordenador de relações institucionais da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, Gabriel Santos Elias, e o antropólogo, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, Maurício Fiore, explanam a questão de forma clara e didática. Vale a leitura!

A necessidade de reformas substantivas da política sobre drogas no Brasil ainda é um tema incipiente, especialmente se colocado em perspectiva com avanços que já vêm ocorrendo em países como Uruguai, Estados Unidos e Portugal. Embora a lei brasileira sobre o tema seja recente – foi sancionada há menos de 10 anos –, sua elaboração ocorreu sob uma perspectiva de endurecimento penal. Assim, ela acabou por contribuir para que as condenações por tráfico crescessem mais de 300% no país neste período, sem produzir resultados positivos, seja do ponto de vista da segurança pública, seja pelos seus impactos na saúde dos brasileiros. A política de drogas no Brasil é responsável por parte considerável dos homicídios e enriquece organizações criminosas ao mesmo tempo em que legitima a militarização do Estado para combatê-las. Em meio a essa guerra, a população – especialmente negros, pobres, de periferia – se torna vítima cotidiana.

Ainda que o diagnóstico de que o modelo atual é violento e ineficiente venha se fortalecendo, seus resultados políticos só começaram a aparecer em 2011, quando se comemorou a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu o direito da Marcha da Maconha de realizar eventos públicos em defesa da mudança da lei. O primeiro Projeto de Lei a prever a descriminalização das drogas e a regulamentação da produção e do comércio de maconha foi apresentado na Câmara dos Deputados em 2014. Neste período, após grande mobilização de familiares de crianças que sofrem principalmente de epilepsia refratária e de Síndrome de Dravet, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária autorizou o uso do canabidiol, uma das substâncias presentes na maconha, para fins medicinais. Atualmente, está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) um Recurso Extraordinário que pede a inconstitucionalidade da criminalização do porte de drogas para para consumo pessoal.

Em meio a este cenário, temos um legislatura no Congresso considerada por muitos especialistas como das mais conservadoras de nossa história democrática. Para fazer frente ao desafio de propor mudanças legislativas, a Plataforma Brasileira de Política de Drogas, uma rede da sociedade civil que reúne mais de 40 organizações e coletivos, realizou uma pesquisa na qual ouviu 200 deputados e 34 senadores para investigar o que pensam sobre o tema. Embora muitos resultados confirmem as expectativas de um Congresso conservador e punitivista, alguns dados foram surpreendentes e apontaram que há espaço para aprofundar o debate sobre política de drogas no Poder Legislativo.

Um primeiro dado relevante é o apoio expressivo da grande maioria dos parlamentares (68% dos deputados e 79% dos senadores) à não criminalização dos usuários de drogas. Uma parte, 12%, condiciona a criminalização do uso ao tipo da droga. Essa informação pode ter impacto político nesse momento em que o STF julga a mesma questão.

Outro dado importante foi a defesa da permissão do uso medicinal e terapêutico da maconha. A maior parte dos parlamentares (46% na Câmara e 56% no Senado) é favorável ao uso de maconha em qualquer caso em que haja aplicação terapêutica e ainda há um número expressivo de deputados (36%) e senadores (35%) que aprova apenas o uso médico do canabidiol. Apenas uma minoria dos deputados (11%) e senadores (3%) não acreditam que possa haver utilização terapêutica da maconha.

Quando perguntados sobre a regulação da produção e do comércio de maconha, no entanto, os parlamentares ainda se mostram majoritariamente contrários (54% dos deputados e 41% dos senadores) ou indecisos (21% dos deputados e 41% dos senadores) sobre o assunto. No entanto, 8% dos deputados e 3% dos senadores são favoráveis à legalização para consumo adulto e 18% dos deputados e 15% dos senadores são favoráveis ao controle da regulamentação e da produção e da venda de maconha pelo Estado. Se agregados, os deputados que defendem as duas formas de regulamentação da maconha, temos um apoio estimado de pelo menos 98 deputados, um número expressivo e maior do que o esperado.

Os congressistas foram também questionados sobre as prioridades que devem guiar a ação do Estado no tocante à política de drogas. O investimento em atendimento para dependentes e em educação para a prevenção ao uso problemático de drogas foram itens que receberam prioridade máxima da grande maioria dos congressistas. Se esse é um consenso que sinaliza para um caminho alvissareiro, o grande apoio ao aumento de penas para traficantes – que deve ter prioridade máxima para 80% dos deputados e 59% dos senadores – indica que o viés punitivista segue sendo a aposta do legislativo, mesmo diante do baixo impacto do encarceramento no mercado de drogas ilícitas. Por outro lado, o aumento à repressão do usuário dividiu deputados e senadores, considerado pouco ou nada prioritário para 43% dos deputados e 30% dos senadores.

Também avaliamos o grau de concordância dos parlamentares com algumas afirmações. Por exemplo, houve discordância total da maioria deles para cenários de regulamentação da produção e comércio de drogas que tivessem como objetivo a arrecadação de impostos ou diminuição da criminalidade. Ao mesmo tempo, o desenho de políticas específicas para cada tipo de droga foi um possibilidade que dividiu o tanto a Câmara quanto o Senado.

Assim, ao se não se limitar às barreiras que, sem dúvida, existem no poder legislativo, é possível tomar como animadores os resultados dessa pesquisa – que está disponível em sua íntegra no site da Plataforma Brasileira de Política de Drogas –, na medida em que eles revelam que há espaço para a atuação dos cada vez mais fortes e organizados movimentos e organizações que cobram a reforma da política de drogas no país. No entanto, o próprio fato do dado ser surpreendente para quem atua há algum tempo nas discussões sobre esse tema revela, também, o tamanho do desafio que nos é imposto: fazer com que os parlamentares que opinaram de forma crítica ao atual paradigma expressem esse posicionamento em sua atuação política. É preciso que essas vozes se façam ouvir no Congresso Nacional e, assim, representem, por meio de projetos de lei, de obstrução de retrocessos e de realização de debates, o crescente desejo popular por uma política de drogas mais justa e eficaz.

Fotografia de Capa: David Alves / 6ª AP da #SUG8

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