Negócios canábicos buscam brecha no país, apesar dos riscos desse novo mercado

Fotografia mostra a vitrine de uma loja Ultra420 em que vemos, da esquerda para direita, o livro Cannabis Medicinal e vários bongs das linhas "signature", que simulam caixinhas de suco e latas de refrigerante, e de outras coleções, nas cores vermelho, verde e amarelo.

O mercado canábico já movimenta investidores no Brasil, onde, apesar de a maconha ainda ser proibida, muitos pacientes utilizam a cannabis medicinal de forma legal e todo um mercado de acessórios relacionados ao uso recreativo da erva está em constante crescimento. Saiba mais com as informações são da Folha de S.Paulo.

A garagem de um coworking da Vila Madalena (zona oeste de São Paulo), abrigou no final de outubro a versão paulistana da Maratona Ignition, evento voltado a interessados em empreender no mercado canábico.

Foram apresentados produtos e serviços relacionados à maconha, como a farmácia fitoterápica voltada ao uso medicinal e uma escola dedicada a conteúdos científicos sobre a droga para médicos e parentes de doentes que podem usar o canabidiol.

“Tudo é muito novo nessa área, por isso alguns empreendedores vão precisar dar a cara a tapa para abrir mercado”, diz Fernando Finger Santiago, da empresa brasiliense de coworking 55.Lab, responsável pelo evento.
Representantes dos oito projetos pré-selecionados na maratona tiveram três minutos para mostrar propostas.

A vencedora do evento foi a Cosmonauta Inc, dos professores Marcio Ramos, 45, e Luiz Carlos Vetere, 52. Eles apresentaram o Sputinik, equipamento que, unido a um aplicativo, permite controlar e automatizar o cultivo de plantas medicinais -e que também pode ser usado nas estufas de maconha.

O aparelho já começou a ser vendido em lojas por cerca de R$ 950, mas não pode ser associado ao cultivo da maconha, proibido no Brasil.

Vetere conheceu a indústria canábica durante uma viagem ao Chile, onde o plantio é liberado para uso medicinal. Ele e Ramos já investiram R$ 40 mil no Sputinik. A previsão é que o produto comece a ganhar escala a partir do 1° trimestre de 2018.

Outra empresa selecionada para a consultoria oferecida na maratona é a PlantandoBem. O objetivo é ser uma espécie de universidade voltada à capacitação de profissionais de saúde e familiares de pacientes que irão se beneficiar do canabidiol.

O consumo medicinal é o mercado que a Cure Drop pretende explorar. A empresa apresentou o projeto de uma farmácia fitoterápica canábica que fará a extração e a comercialização de óleos para o tratamento de doenças, como câncer e Alzheimer.

Esse tipo de atividade ainda não é autorizada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A previsão é que a liberação do plantio para pesquisa e da produção para uso medicinal aconteça no 1° semestre de 2018.

No início deste ano, a agência concedeu o registro do primeiro remédio à base de Cannabis sativa no país, o Mevatyl (laboratório Beaufour Ipsen), vendido sob prescrição médica. Já a HempMeds Brasil, primeira empresa autorizada a importar o canabidiol, prevê que o registro do seu óleo de cânhamo sai em 2018.

ZONA CINZENTA

Secretário Antidrogas durante o governo Fernando Henrique Cardoso, Walter Maierovitch alerta que a legislação em vigor cria uma espécie de zona cinzenta sobre o que pode ser um negócio e o que caracteriza apologia ao uso da droga ou facilitação ao crime de tráfico.

“O porte de maconha ainda é crime, só não existe mais a pena de prisão. Quem quer investir nessa área precisa ficar atento ao que a lei prevê, inclusive no uso medicinal, mas tudo avança de forma lenta”, explica Maierovitch.

Coordenador do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getulio Vargas, Tales Andreassi também acredita que buscar o pioneirismo em um mercado não regulamentado traz tanto o risco de perder o investimento quanto de ter de responder na Justiça.

“Pode até ser uma opção para quem pretende exportar para países onde o consumo é liberado, mas se estará à margem da lei no Brasil, sendo difícil traçar uma meta de expansão devido às restrições”, diz o especialista.

LÁ FORA

A Holanda já foi uma espécie de “Disney” para consumidores e empreendedores canábicos. Mas com as mudanças na legislação em outros países, os negócios da maconha se expandiram.

Nos EUA, de acordo com a consultoria ArcView Market Reasearch, o mercado medicinal da Cannabis deve chegar a US$ 10,7 bilhões em 2020, e o de uso recreativo, a US$ 12 bilhões.

Hoje, 26 Estados americanos autorizam o uso medicinal e quatro permitem o recreativo. É possível até se graduar em maconha na Universidade do Norte do Michigan.

Nos últimos anos, o Brasil viu vizinhos como Uruguai, Chile e Peru flexibilizarem suas políticas de punição ao consumo de maconha.

O aplicativo BudBuds, criado por um brasileiro que se mantém sob anonimato, começou a ser oferecido em setembro no Chile, no Uruguai, na Argentina e na Colômbia.

O app rastreia a Cannabis por QR Code, sendo possível saber qual é a espécie e como plantá-la. A empresa foi aberta nos EUA por questões jurídicas, diz Rogério Barros, um de seus executivos, já que o país tem Estados que permitem o consumo.

Foram investidos cerca de US$ 500 mil no BudBuds -parte veio de um investidor-anjo. O aplicativo é gratuito e a receita deve vir da oferta de serviços e de produtos.

JOGO DE TABULEIRO

Apesar de ser um mercado que ainda passa por mudanças, Mauro Leno, 34, decidiu desenvolver seu produto para o mercado brasileiro. Ele e mais dois sócios criaram o jogo de tabuleiro O Jardineiro Feliz, que propõe misturar diversão e educação canábica, com informações sobre espécies, plantio e curiosidades.

Leno, que venceu a primeira versão da Maratona Ignition, busca investidores.

A Papelito, dos irmãos Chrystian, 28, e Rossini Sarkis Silva, 30, de Brasília, atua no mercado de seda para cigarros desde 2011. No começo, foram investidos R$ 100 mil.

“As primeiras vendas foram em Brasília, em lojas de conveniência, mas com o tempo fechamos parceria com um grande distribuidor de cigarros, e hoje estamos em 23 Estados”, conta Silva.

O empresário calcula que a Papelito chegará a um faturamento de R$ 7 milhões neste ano, um aumento de 20% em relação a 2016.

O empresário Alexandre Perroud, 49, da Ultra 420, que inclui loja e máquinas de venda automática

Os acessórios para o consumo de maconha são o principal negócio de Alexandre Perroud, 49, dono da Ultra420. Ele tem uma loja própria na Galeria Ouro Fino, nos Jardins (zona oeste de SP), aberta em 1994, e franquias em Campinas (SP) e no Rio de Janeiro. Mais uma será inaugurada no mês que vem, em Perdizes (zona oeste).

Além das franquias, o empresário distribui seus produtos a outros lojistas, comercializa por e-commerce e está em fase de ajuste de máquinas de venda automática.

“Comecei em uma época em que a repressão era muito grande, minha loja passou por sete batidas policiais em oito meses. Busquei informações com um advogado para saber se o que estava fazendo era ilegal e fui alertado sobre o que poderia oferecer”, conta Perroud. De acordo com ele, cada loja fatura por mês, em média, R$ 25 mil.

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