Natureza e quantidade de maconha

Além de atuar em casos de usuários acusados de tráfico de maconha, recebo muitas mensagens com indagações acerca de situações semelhantes. Em alguns textos, procuro levantar questões para colaborar na defesa da irmandade e no trabalho de colegas. Esta é a finalidade deste texto.

Para alguém ser acusado de um crime, a materialidade deve estar comprovada. A prova material é a essência da existência de um crime. A partir dessa evidência, caminha-se para a procura da autoria. Sem a materialidade, não se pode nem levantar a autoria, pois ninguém pode ser acusado do nada. O melhor exemplo é o homicídio, em que o cadáver é a prova material, sem o qual não se pode sequer entrar na questão autoria.

No caso do tráfico de drogas, a prova material é a combinação da natureza e da quantidade da substância apreendida. Segundo pesquisa realizada pelas professoras Luciana Boiteux/UFRJ e Ela Wiecko/UnB, dentre os acusados por tráfico de maconha no Rio de Janeiro, de outubro de 2006 a maio de 2008, 42% portavam menos de 100 gramas.

Considero que tal quantidade da erva não poderia ser a prova material do crime de tráfico. O famoso navio “Solana Star”, por exemplo, que fez o verão da lata carioca em 1987, quando transportava maconha da Austrália para os Estados Unidos, despejou em alto mar 22 toneladas, pois precisava aportar por problemas mecânicos. Mesmo com tamanha quantidade, era raro saber de alguém que tivesse encontrado uma lata. Fora a da lata, a maconha ainda rolava em grande quantidade naquele verão, o que leva à conclusão de que se trata de um mercado de muitas toneladas.

Sendo assim, como quase metade das pessoas presas por tráfico de maconha, segundo a pesquisa das professoras, portava menos de 100 gramas? O sistema penal precisa ser denunciado, pois tudo isso é uma grande farsa. De um lado, um mercado bilionário, distribuído em toneladas, de outro, o tribunal condenando pessoas com menos de cem gramas!

Do ponto de vista técnico, entendo que essa prova material deveria ser preliminarmente questionada na defesa, destacando-se a materialidade da autoria, como acontece em qualquer julgamento. A quantidade não é claramente enfrentada nos tribunais brasileiros pois, em regra, as decisões vêm acompanhadas somente da famosa frase: “materialidade e autoria comprovadas”.

Cabe destacar o parágrafo primeiro do artigo 50 da Lei 11343/2006:

“Art. 50. Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará, imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e quatro) horas.

§ 1o Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea.”

Do parágrafo acima, depreende-se que a materialidade deve ser constatada pela combinação da qualidade e da quantidade, e precisa ser claramente esclarecida. Decisões que não destacam a materialidade violam o presente parágrafo e devem ser prequestionadas.

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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