Meu nome é Andrea
Sexta-feira, 3 de janeiro de 2014, quando estava me preparando para fugir do Rio 40 graus, como compôs e cantou meu camarada de Copacabana Fausto Fawcett, para buscar um ar fresco em Petrópolis, fui chamado a uma missão da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ. Mais um jovem assassinado pelo Estado, como declarou seu próprio avô.
Fiquei na capital e, depois da missão realizada, de terno e gravata no imenso calor carioca, fomos beber algumas cervejas no centro da cidade. De volta a Copacabana, tentei ficar na rua, mas fui mesmo para o ar condicionado do meu apartamento. Como filho de gaúchos, assisti ao último capítulo do “Tempo e o Vento”. Logo em seguida, apertei o 66, Canal Brasil e, para minha surpresa, o filme “O QUE É ISSO COMPANHEIRO” estava na metade. O longa fala da guerrilha no Brasil e de jovens guerrilheiros que arriscaram suas vidas lutando contra a ditadura militar.
Irmã da minha mãe, Ana Lúcia, minha saudosa tia Verinha foi a única mulher que participou da ação armada mais ousada da guerrilha brasileira, o sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 4 de setembro de 1969. Foi interpretada no filme por duas grande atrizes: Fernanda Torres, que estudou, como eu, no Colégio São Vicente de Paula, e Cláudia Abreu, amiga de infância do Leblon da minha mulher, Marta Peres.
Tia Verinha não gostou do filme e entendo o porquê, ainda mais depois de revê-lo pela milésima vez. Minha heroína que me perdoe, mas eu gostei. Uma história que sempre quis contar, mas tinha de omitir, desde bem pequeno, mesmo sabendo muito sobre aquela ação, assim como sobre os horrores da ditadura.
Abro um parêntesis pois, coincidência, ou não, minha tia avó Beatriz, que viveu todas aquelas barbaridades dos golpistas de 64, havia acabado de me devolver o maravilhoso livro de Cid Benjamim, “Gracias a la vida – Memórias de um militante”. Neste livro, tive a honra de ser citado como o guerrilheiro mais novo da história do Brasil, por um dos maiores guerrilheiros da nossa história, Cid Benjamim, na página 107. Cid conta que, com a tia Verinha se passando por minha babá, quando eu tinha 3 anos de idade, começou a ser feito o levantamento do sequestro do embaixador americano. A ação aconteceu para denunciar as torturas, assassinatos e desaparecimentos realizados pela ditadura militar, financiada pelo capital nacional e internacional, apoiada pela CIA e governo norte-americano. Os guerrilheiros exigiam a leitura de um manifesto em todos os meios de comunicação e a libertação de 15 presos políticos que estavam sendo torturados.
A personagem fisicamente mais parecida com ela e que no filme aborda o chefe de segurança era a da craque Cláudia Abreu, por quem tia Verinha tinha verdadeira paixão. A personagem de Fernanda Torres foi a que saiu banida do Brasil de cadeira de rodas, depois de longas sessões de tortura, trocada por outro embaixador sequestrado. Na realidade, tia Verinha foi retratada no filme pelas personagens destas duas grandes atrizes.
Tia Verinha contava que, em minha homenagem, seu primeiro nome de guerrilheira foi Andrea. No filme, Andrea era o codinome da personagem de Fernanda, que começava um romance com outro guerrilheiro, inspirado no “tio Joaquim”. Deste, somente soube seu verdadeiro nome quando chegou, anistiado, no Aeroporto do Galeão: Fernando Gabeira.
O que é isso companheiro
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