Medicamento à base de maconha já é vendido em farmácias, mas pacientes ainda precisam importar

Caixa de medicamento, onde se lê no topo "Mevatyl - tetraidrocanabinol 27 mg/ml, canabidiol 25 mg/ml", no centro da embalagem uma tarja preta e a escrita em branco "Venda sob prescrição médica" e abaixo "Solução em spray para pulverização bucal, uso oral, uso adulto, contém 3 frascos de 10 ml", ao lado de um frasco do mesmo destampado.

Disponível em algumas farmácias do país, o medicamento foi aprovado pela Anvisa apenas para o tratamento de espasticidade causada pela esclerose múltipla. Pacientes de outras condições como doenças epiléticas ainda precisam importar a medicação, um alto custo muitas vezes pago pelo Estado. As informações são do ES Hoje.

Começou a ser comercializado em meados de junho, no Brasil, o primeiro medicamento à base de canabinoides aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No Espírito Santo, o Mevatyl, composto por 52% de tetraidrocanabinol (THC) e 48% de canabidiol (CBD) – princípios ativos da planta – em formato de spray oral, já é vendido em poucas farmácias, com uma média de preço de R$ R$ 2.519,00. A indicação do remédio é para pacientes adultos com espasticidade (contração muscular involuntária) moderada a grave devido à esclerose múltipla (EM), que não responderam adequadamente a outra medicação antiespástica e que demonstram melhoria significativa dos sintomas durante um teste inicial com o medicamento (anteriormente importado).

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“A espasticidade é como uma cãibra constante, uma condição dolorosa e incapacitante, caracterizada pela rigidez muscular. No Brasil, estima-se que cerca de 30 mil pessoas tenham EM e estudos apontam que cerca de 84% das pessoas com esclerose múltipla desenvolvem espasticidade, o que prejudica a execução de tarefas básicas do dia a dia, como se vestir ou alimentar-se, por exemplo”, afirma Andrea Thomaz Viana, gerente médica do grupo farmacêutico Ipsen, responsável pela comercialização do remédio no Brasil.

Um estudo com o Mevatyl, publicado em 2011 pelo European Journal of Neurology – em alguns países europeus, o remédio é comercializado desde 2010 – demonstrou que 74% dos pacientes que utilizaram o medicamento apresentaram redução de 30% ou mais nos sintomas de espasticidade em comparação com outros tratamentos utilizados previamente.

Apesar de estudos também comprovarem a efetividade do CBD na redução de ansiedade, nas ações antipsicótica, neuro-protetora, anti-inflamatória, antiepilética e nos distúrbios do sono, e a efetividade do THC no efeito antiemético (trata náuseas e vômitos) e no aumento do apetite – sendo usado para tratar anorexia em pacientes debilitados – o uso dos princípios ativos da cannabis para tratar os problemas de saúde ainda é embrionário no Brasil.

De acordo com informações da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), o Governo do Estado fornece medicamentos à base de canabidiol (CBD) a 10 pacientes atualmente. “Gasto de R$ 163.526,40 em 2017 e R$ 103.593,55 neste ano”, informou a Sesa por meio de nota.

Patrícia Guisso, mãe de Giovanna, de 16 anos, que sofre da Síndrome de Dravet – doença epilética caracterizada por uma grande quantidade de crises convulsivas – já chegou a gastar R$ 4 mil por mês na importação de duas seringas contendo canabidiol para o tratamento da filha. Mas, há quase três anos, ela foi um das que conseguiu na Justiça que o Estado custeasse o medicamento.  Foi por meio de contato com Patrícia, que mora em Guarapari, que Sandra, residente em Vila Velha, conseguiu realizar todo o trâmite para que o Estado custeasse a importação do medicamento, que tem um preço elevado.

“Consegui achar a Patrícia pelo Facebook, devido à reportagem que ela fez sobre a eficácia do canabidiol com a filha dela. Ela me ajudou, me orientou, me direcionou, até chegar na Anvisa, para poder pegar autorização. Custeei a primeira compra do CBD para ver se ia ser eficaz para a Sarah, e foi. Como custo era muito alto e não teríamos condições financeiras, entrei com processo judicial, levando todos os exames, laudo médico, necessidade da criança para esta medicação, e todos os documentos necessários e, graças a Deus, conseguimos uma autorização judicial para o Estado custear essa medicação”, explicou.

Desde 2015, Sandra pega duas seringas da substância por mês na farmácia cidadã de Vila Velha. “Tenho autorização da Anvisa de 24 ampolas. Todo o ano tem todo o trâmite legal e a gente renova o ofício da Anvisa”.

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Convulsões e CBD
Sarah Sperandio de Lira tem 12 anos e sofre de paralisia cerebral. Com três anos de idade ela começou a sofrer convulsões muito severas, generalizadas e descompensadas. Desde então, os pais Sandra e César Augusto, iniciaram uma rotina de lutas atrás de médicos e remédios para cessar as convulsões. “Tentamos várias medicações nacionais, mas não estava sendo suficiente”, relata Sandra.

No ano de 2015, após acompanhar reportagens televisivas que retratavam a eficácia no uso do CBD para controlar a epilepsia, a família levou o assunto ao médico de Sarah, que considerou viável a tentativa de utilizar a substância da cannabis para tratar as convulsões.

“Era um custo muito alto, na época era 280 dólares a seringa com 10 gramas, e mais 75 dólares de frete. Então era muito dinheiro. A minha família ajudou a custear, nós compramos as primeiras seringas e foi eficaz. Aí o médico bateu o martelo para usarmos a medicação, associada às medicações nacionais que ela usa ainda. Consegui autorização com todos os tramites médicos, laudo, relatório, exames, etc. e conseguimos importar. Aí introduzimos a medicação, que foi eficaz”, contou Sandra.

Ela fala sobre os benefícios: “As convulsões da Sarah praticamente cessaram. Ela era uma criança completamente vegetativa, eram várias crises convulsivas mensais, uma criança que não era acessível, que não interagia, que não respondia a estímulo nenhum. Depois que introduzimos o CBD, Sarah hoje é uma criança que senta, rola, interage, não fala, mas entende. A coordenação motora dela melhorou muito, coordenação de tronco, de cabeça, foi uma coisa espetacular. Ela vem respondendo muito bem à medicação. Fiquei mais de dois anos com a Sarah sem dar crise convulsiva nenhuma. Nem se compara, a minha filha mudou. Hoje é outra criança, outra pessoa”.

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#PraCegoVer: fotografia de capa da caixa do medicamento, onde se lê no topo “Mevatyl – tetraidrocanabinol 27 mg/ml, canabidiol 25 mg/ml”, no centro da embalagem uma tarja preta e a escrita em branco “Venda sob prescrição médica” e abaixo “Solução em spray para pulverização bucal, uso oral, uso adulto, contém 3 frascos de 10 ml”, ao lado de um frasco do mesmo destampado.

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