Maconha medicinal: agora vamos ter de enfrentar o THC

Maconha medicinal: agora vamos ter de enfrentar o THC - Smoke Buddies

O THC é um composto rico em propriedades medicinais e já é encontrado em medicamentos aprovados no mundo inteiro – e também em extratos de CBD. E, claro, usuários estão de olho nisso e a Anvisa cedo ou tarde vai ter que enfrentar o debate. Confira mais no artigo de Monique Oliveira*, para o Brasil Post.

Há muito mais demandas para a maconha medicinal do que pensa a nossa Anvisa e a retirada do canabidiol (CBD) da lista de substâncias proibidas em 2014 foi apenas o gatilho. Demandas históricas sufocadas pela proibição começam a se fazer presentes -e há muita coisa envolvida.

O canabidiol é um dos 80 princípios ativos da maconha e foi ao longo do ano passado a bandeira que sustentou debates intensos acerca da cannabis medicinal.

A Anvisa, depois de intensa campanha e lançamento de documentário, se viu flodada com pedidos em massa para importação da substância -principalmente para epilepsias refratárias, para as quais não há tratamento disponível.

A saída foi liberar. De proibido, o CBD agora é controlado. O feito eliminou uma confusão tremenda. Antes, a agência dizia que podia importar, mas que o médico tinha que receitar; o médico, por sua vez, dizia que não podia receitar porque era proibido.

O CBD, contudo, é descrito como uma droga não psicoativa, a grosso modo, “sem barato” (na realidade, o CBD tem efeito sedativo, o que indica ação no sistema nervoso, mas não o suficiente para um “high” intenso). Seu comparsa, o tetrahidrocanabinol (THC), sabidamente psicoativo, ficou de fora da discussão.

A diferença é essencial -não só em termos químicos, mas em termos políticos. O fato do canabidiol não ser psicoativo foi fundamental para a sua retirada da lista de substâncias proibidas – e para, digamos, sua aceitação como medicamento. É quase como se uma outra ontologia, outra identidade tivesse que ser criada para o composto -aquela desvinculada da “maconha”, do “legalize já”.

Só que o THC também tem propriedades medicinais e é um composto já encontrado em medicamentos aprovados no mundo inteiro – e também em extratos de CBD. E, claro, usuários estão de olho nisso.

Este mês foi criada a AMA +ME (Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal), que defende uma discussão mais aberta acerca do THC e do CBD.

De fato, já ouvi em entrevistas com especialistas que o CBD dependeria também de alguma porção de THC para ter efeito anticonvulsivo -mas que não se sabe ao certo qual seria a quantidade segura.

Um debate mais aberto sobre o THC, assim, se faz necessário Afinal, quais são de fato os prejuízos de sua atividade psicoativa, e em quais doenças os desconfortos seriam irrisórios em face dos benefícios?

Sim, há estudos em animais mostrando que o THC contribui para sintomas similares à psicose. E o composto, mesmo entre cientistas mais progressistas, também é totalmente contraindicado para cérebros em desenvolvimento.

O que se pede, no entanto, é um debate. E a Anvisa cedo ou tarde vai ter que enfrentar o THC. Há um pedido de registro na agência para o Sativex, medicamento aprovado no Canadá em 2010 para o tratamento da rigidez muscular na esclerose múltipla. O medicamento possui 2,5 mg de THC.

Outros medicamentos, já comercializados lá fora, são demandados por pacientes. O Cesamet, molécula sintética que simula o THC, é usado, por exemplo, para tratar náusea e perda do apetite em pacientes com câncer e aids. Também o Marinol, outro que simula o THC, é utilizado para o tratamento de distúrbios alimentares associados a aids.

A demanda, contudo, não para na indústria. Com o avanço de maiores discussões acerca da maconha medicinal, vai ficar cada vez mais difícil dizer que o “remédio” é apenas aquele encontrado na farmácia.

Então, temos uma decisão a tomar. Devemos estimular apenas o consumo de medicamentos, dizendo que a forma in natura é perigosa porque não passou por testes clínicos, ou, de fato, devemos começar a testar a maconha existente no mercado e informar quem a consome (seja pela razão que for) acerca dos seu componentes?

Nisso, a experiência de um ano da legalização da comercialização e do consumo de maconha no Colorado (EUA) pode nos ajudar.

Após a legalização, o Estado criou oito laboratórios cadastrados para medir a potência da erva disponível no mercado, bem como seus níveis de THC e de CBD. Os resultados de um ano de análise foram apresentadas essa semana em congresso da American Chemical Society (ACS).

Resultados apontam que a maconha circulante hoje chega a ser três vezes mais potente que há 30 anos – os níveis de THC correspondiam a 10% da erva e hoje chegam a 30%. Muitas das amostras encontradas também eram puro THC e apenas possuíam traços de CBD.

Segundo pesquisadores, o aumento da potência da maconha nas últimas décadas é resultado da demanda pelo “high” – já que quanto mais “barato” a erva dá, melhor é a maconha de seu fornecedor.

Mas convenhamos, a demanda não é gerada somente por usuários “imprudentes” à procura de um barato, mas também pela proibição, que sufocou um debate profundo acerca dos componentes da droga e de seus benefícios.

E é isso que devemos perseguir, uma discussão aberta, sem preconceitos, com cada caso estudado minuciosamente em sua particularidade. Seja pela liberalização total ou parcial.

*Monique Oliveira é jornalista, repórter de saúde e mestranda em Divulgação Científica e Cultural na Unicamp. Passou pelas redações da Revista ISTOÉ, Estadão e Folha de S.Paulo.  Na ISTOÉ, ganhou prêmio SindhRio em Jornalismo e Saúde por “A Era dos Homens Imortais” (2012) e menção honrosa por a “A Revolução da Terapia Genética” (2013) . Em 2014, foi laureada com o Prêmio Bayer de Inovação em Saúde por “A Luta Contra o Câncer”. Aqui, uma conversa sobre saúde mental e pública. Mais em www.moniqueoliveira.com ou moniqueboliveira@gmail.com.

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