Maconha em 2019: Quais avanços esperar do governo “mito”

Ilustração colorida de um punho cerrado, símbolo de resistência, segurando uma folha de maconha. Witzel.

O ano está acabando e ao olharmos para trás vemos que em 2018 muito pouco se evoluiu na política de drogas do Brasil, sem contar alguns retrocessos. Uma situação que pode piorar, e muito, em 2019, se não agirmos o quanto antes.

Como em todo final de ano, é normal os veículos de mídias realizarem um apanhado dos fatos mais marcantes e reuni-los em um especial chamado retrospectiva. Por mais que tenha ocorrido, no Brasil, respectivas evoluções e alguns retrocessos na causa canábica durante o ano de 2018, que cito durante este, resolvi abordar o que podemos esperar ou melhor fazer e acontecer, durante o ano de 2019. O ano que saímos de um governo de esquerda para um de direita, com o início do mandato do 38º presidente do Brasil Jair Bolsonaro.

O ano de 2018 foi o ano das filas para os norte-americanos e canadenses que compraram maconha até esgotar os estoques da erva vendida legalmente, gerando emprego, receita, além de reduzir a criminalidade e desafogar o sistema carcerário com a retirada das condenações relacionadas a crimes leves ligados à planta. No mesmo ano em que indústrias estrangeiras como o as gigantes do álcool, dos refrigerantes e do tabaco, sem nem considerar as farmacêuticas, começam a vislumbrar a planta como uma potencial fonte de renovação nos negócios e economia, por aqui no Brasil tivemos alguns retrocessos e pequenos avanços.

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PAI DA CANNABIS

Em 2011, foi decidido pelo STF – na ADPF187 – que debater, defender, estudar, falar e propagar os benefícios terapêuticos da maconha, não é crime de apologia às drogas, mas mesmo assim, 7 anos após a decisão do Supremo, o maior especialista em entorpecentes, o Doutor Elisaldo Carlini – O Pai  da Cannabis no Brasil –, que estuda a maconha há 50 anos e é reconhecido internacionalmente foi intimado a depor à polícia de São Paulo por apologia ao crime. Dr. Carlini é contrário ao uso recreativo da planta, mas é defensor ferrenho de sua aplicação medicinal.

Fotografia de Dr. Elisaldo Carlini sentado em uma poltrona, com as pernas cruzadas, segurando algumas folhas em uma mão e um microfone na outra, enquanto fala ao mesmo (à esquerda da foto), e de Margarete Guetes sentada em outra poltrona, com as pernas cruzadas, enquanto apoia o queixo sobre a mão e observa Carlini discursar, durante o evento Cannabis Medicinal - Um Olhar para o futuro, realizado em 2018 no Rio de Janeiro; no primeiro plano, fora de foco, pode-se ver vários copos de água mineral e um elemento translúcido com efeito de jateamento de areia com o desenho da folha da maconha. Créditos: Mauricio Bazilio.

#PraCegoVer: fotografia de Dr. Elisaldo Carlini sentado em uma poltrona, com as pernas cruzadas, segurando algumas folhas em uma mão e um microfone na outra, enquanto fala ao mesmo (à esquerda da foto), e de Margarete Guetes sentada em outra poltrona, com as pernas cruzadas, enquanto apoia o queixo sobre a mão e observa Carlini discursar, durante o evento Cannabis Medicinal – Um Olhar para o futuro, realizado em 2018 no Rio de Janeiro; no primeiro plano, fora de foco, pode-se ver vários copos de água mineral e um elemento translúcido com efeito de jateamento de areia com o desenho da folha da maconha. Créditos: Mauricio Bazilio.

FÁRMACO A ALTO CUSTO É ‘CALA BOCA’ SOCIAL

A maconha para fins terapêuticos no país caminha a passos lentos, mais na base de determinações judiciais para aquisição, fornecimento de extratos pelo Estado ou salvo condutos para o cultivo caseiro.

A liberação para importar o medicamento depende de receita médica e da autorização da ANVISA, que é um processo lento, burocrático e caro. O custo para trazê-lo de fora pode variar entre R$ 1 mil e R$ 8 mil, dependendo do quadro clínico do paciente. E a entrega pode levar meses.

2018 também foi o ano em que chegou às prateleiras das farmácias o Mevatyl, o primeiro remédio autorizado pela ANVISA, no Brasil. Sua indicação no país é para o tratamento de Esclerose Múltipla e o preço de venda para três frascos de spray com 10 ml é de R$ 2.916,96, em farmácias do Rio de Janeiro e São Paulo.

Caixa de medicamento, onde se lê no topo "Mevatyl - tetraidrocanabinol 27 mg/ml, canabidiol 25 mg/ml", no centro da embalagem uma tarja preta e a escrita em branco "Venda sob prescrição médica" e abaixo "Solução em spray para pulverização bucal, uso oral, uso adulto, contém 3 frascos de 10 ml", ao lado de um frasco do mesmo destampado.

#PraCegoVer: fotografia meramente ilustrativa de uma caixa do medicamento, onde se lê no topo “Mevatyl – tetraidrocanabinol 27 mg/ml, canabidiol 25 mg/ml”, no centro da embalagem uma tarja preta e a escrita em branco “Venda sob prescrição médica” e abaixo “Solução em spray para pulverização bucal, uso oral, uso adulto, contém 3 frascos de 10 ml”, ao lado de um frasco do mesmo destampado, com um fundo branco.

Com um fármaco de alto custo e sem ser uma solução para todos pacientes, a contrapartida ao medicamento autorizado seria a regulamentação do cultivo para fins de pesquisa e fins medicinais comerciais pela ANVISA, o que o ex-diretor Jarbas Barbosa deixou para seu sucessor.

Anvisa chegou a anunciar que iria elaborar uma norma sobre o tema, já que a legislação atual permite o cultivo da planta da maconha para pesquisas e fins terapêuticos, mas desde que haja regulamentação. O processo, no entanto, ficou parado na agência. A previsão era de que as regras fossem finalizadas ainda neste ano. Mas não há sinalização de que o assunto esteja entre as prioridades do atual presidente da Anvisa, William Dib, que assumiu em setembro.

Com a ANVISA ‘dando os ombros’ para a necessidade de se regulamentar o cultivo da maconha para fins terapêuticos e com um único medicamento registrado nas farmácias, limitado a algumas condições e disponível a um alto custo para os pacientes, a esperança ficou na conta do Projeto de Lei do Senado de nº 514 de 2017 – antiga SUG25.

PLS 514/2017

O PLS 514/2017 propõe a alteração do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), descriminalizando o cultivo de maconha para fins terapêuticos mediante prescrição médica. O texto determina que o semeio, o cultivo e a colheita não ultrapassem as quantidades adequadas para o tratamento.

O texto aprovado em novembro na Comissão de Assuntos Sociais surgiu a partir da Sugestão Legislativa nº 25 (SUG 25), de iniciativa popular. A matéria original propunha a descriminalização do cultivo de maconha também para uso social e recebeu mais de 20 mil votos favoráveis no portal e-Cidadania.

 

Em 2017, o texto foi debatido pela Comissão de Direitos Humanos do Senado, de onde saiu o PLS 514/2017, construído a partir do voto da senadora Marta Suplicy (MDB-SP). A parlamentar o apresentou de forma separada à posição do relator da matéria, o senador Sérgio Petecão (PSD-AC), que votou pela rejeição da proposta.

Diferentemente do texto original, o projeto da senadora propõe a descriminalização do autocultivo de maconha apenas para fins terapêuticos. “As pessoas podem ser conservadoras, mas não insensíveis. Eu também conhecia muito pouco desse tipo de terapia com cannabis e foi exatamente ouvindo os depoimentos que eu fiquei muito sensibilizada”, afirmou a senadora Marta Suplicy em entrevista ao portal Poder360.

O projeto segue agora para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado e, se aprovado, avança para a discussão no plenário.

Descriminalização da maconha é falência da escola do crime

Se pegarmos como parâmetro os estados do Rio e de São Paulo, no primeiro um terço das apreensões de drogas efetuadas pela polícia envolve usuários, e não traficantes, sendo que quase metade dos presos com maconha na cidade maravilhosa são apenas usuários.

Em São Paulo o número é ainda maior, sendo que metade dos casos de tráfico de maconha equivalem a até dois bombons, o equivalente a 40 gramas de erva. Ou seja, em outras palavras, a polícia ocupou tempo e mobilizou recursos públicos para apreender pequenas quantidades de drogas em poder de usuários. Enquanto isso, traficantes impunes tocam o terror nas comunidades.

Se prender fosse a solução, desde antes de 2006, o número de usuários, apreensões e prisões teriam reduzido e não aumentado. Encarcerar uma pessoa consumidora ou cultivadora é uma injustiça, além de destruir a vida desta, a direciona para um sistema carcerário que transforma usuários em criminosos.

A solução está no Recurso Extraordinário 635.659, que visa descriminalizar o porte de drogas para o consumo pessoal. A questão está parada desde setembro de 2015, quando o ministro Teori Zavascki pediu vista do processo. Teori morreu em janeiro de 2017 em um acidente aéreo e Moraes assumiu a vaga dele – entre os processos herdados, estava o pedido de vista.

Em novembro, o ministro Alexandre de Moraes liberou para julgamento o processo de liberação do porte de maconha e outras drogas para uso pessoal.  E a retomada do julgamento está prevista para o dia 5 de junho de 2019, conforme anunciado pelo presidente do Supremo Dias Toffoli.

Três juízes já votaram: Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin disseram ser a favor da descriminalização apenas da maconha. Já o relator do caso, Gilmar Mendes, defendeu posição mais abrangente, alegando inconstitucionalidade da lei com relação a todas as drogas, e não apenas à maconha.

A descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal é pauta também na Câmara dos Deputados, onde uma comissão de juristas e especialistas escolhidos pela casa debatem a atualização da Lei de Drogas, mas ainda nada se definiu, pelo contrário, na última reunião surgiram pontos de divergências sobre a liberação do consumo para fins recreativos.

Governo Mito

Na mitologia da guerra às drogas, já foi comprovado com modelos regulatórios que a proibição e o modelo repressivo adotado no Brasil – através da lei de drogas 11.343/2006 – consomem recursos, oneram o sistema de saúde pública e superlotam o sistema carcerário, e os usuários, policiais e moradores das comunidades – a ponta mais fraca dessa guerra – é quem pagam com a vida o modelo repressivo no país.

Caricatura em preto e branco de Jair Bolsonaro usando a faixa presidencial e fazendo o gesto de arma com as mãos apontadas para cima, à frente de uma plantação de maconha.

#PraCegoVer: caricatura em preto e branco de Jair Bolsonaro usando a faixa presidencial e fazendo o gesto de arma com as mãos apontadas para cima, à frente de uma plantação de maconha. Créditos: Zanon.

O governo de Jair Messias Bolsonaro está fadado, e vendado, a acreditar em Fake News propagadas por seu vice, ministros e aliados como o deputado Osmar Terra (MDB-RS), escolhido por ele para ser o ministro da Cidadania.

A pasta, que será criada, responderá pela área social do governo federal e reunirá Desenvolvimento Social, Esporte e Cultura. De acordo com o futuro ministro, parte da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad), que cuida do tratamento de dependentes químicos, também será submetida à pasta.

Infelizmente, o futuro ministro é ardiloso a ponto de sustentar inúmeras mentiras e mitos para se autopromover e promover a internação compulsória de dependentes químicos nas comunidades terapêuticas e a manutenção da proibição.

Além de Osmar Terra, outros pares de políticos na gestão bolsonariana devem ser fiscalizados e, principalmente, contestados quando o assunto for regulamentação das drogas. É de entendimento coletivo, a falta de conhecimento e experiência dos políticos brasileiros quando o assunto é direito das minorais e  regulamentação da maconha.

Ditadura Das Fake News

Este ser que vos escreve pouco acredita num governo ditatorial, aos moldes da época da Ditadura Militar, mas enxergo um futuro governo militar e para isso basta olhar as escolhas de Bolsonaro. O mair receio é de uma futura “Ditadura das Fake News”. No inverso do que muitos estejam pensando agora, ninguém perderia acesso ou sua liberdade na internet, mas entretanto a verdade pode continuar sendo soterrada diante das avalanches de Fake News – olha a gente falando nelas de novo.

Absurdos propagados em táticas para atingir a massa podem, além de mudar, prejudicar o rumo de uma história. Afinal, quantos que acreditaram na história da “mamadeira erótica” ou do “Kit Gay”? E que acreditam que a culpa do tráfico existir é do usuário e não do modelo proibicionista de lei? Quantas destas pessoas não creem que a maconha leva às drogas mais pesadas, mesmo que comprovadamente este mito já esteja refutado?

#PraCegoVer: Fotografia mostra em primeiro plano uma viatura passando com dois agentes olhando para uma pessoa em pé, no segundo plano, vestindo uma camiseta verde onde se lê NORMALIZE enquanto aperta um cigarro entre duas pistas de uma avenida. Foto Phill Whizzman – SP

E me dou o capricho de dizer que isso não é culpa dos que ainda não conhecem o assunto e sim de quem conhece e, principalmente, da mídia. Começando por este último, no banco dos réus em meu tribunal, atribuo grande parte da culpa devido ao sistema de “Você já atingiu o limite máximo de 5 notícias em 30 dias”, – ‘ah vah’ –, o que é revoltante e trabalhoso para quem insisti em buscar outras fontes e a verdade e mais desestimulante ainda para o simples leitor. Sim, a grande mídia que cobra aos seus leitores o conteúdo após 5 notinhas lidas é culpada pelo crescimento das fake news. 

Na outra ponta do banco, a culpa é também de quem conhecem o tema, ativistas, especialistas, influentes, mães e pais de pacientes e o consumidor em geral – que além de possuírem o conhecimento, mais ainda possuem a capacidade de propagar, mais e mais, notícias, pesquisas e qualquer tipo de informação e avanços sobre a cannabis em suas redes e em seu meio de convívio social.

Leia também ~ CANNABIS INFLUENCERS: A IMPORTÂNCIA DOS INFLUENCIADORES NA CULTURA CANÁBICA

A maconha, seus usos e culturas só serão aceitos quando boa parte da sociedade se conscientizar que é muita guerra por apenas uma planta. Uma planta que é mais que a do lúpulo – serve para dar à cerva seu amargor, que também é da família das canabidáceas – sim, a mesma da maconha, já esta última rica em benefícios nos usos terapêutico e social.

Esperar jamais, fazer acontecer sempre! 

E como não há hora para propagar fatos, experiências, notícias e relatos sobre os avanços e benefícios da regulamentação da maconha, você deve começar a normalizar o assunto o quanto antes. E se a maconha é seu estilo de vida, veja aqui 5 dicas para normalizar sua rotina.

A antiga percepção da sociedade mais conservadora sobre a pessoa consumidora de maconha precisa ser desconstruída. Somos milhões de consumidores que precisam ser ouvidos.

A normalização do debate em casa sempre deve existir e, independente do presidente (Jair) e governo (militarizado), o nosso direito de debater, falar, prospectar os benefícios do uso terapêutico, em qualquer lugar, principalmente nos atos, eventos e Marcha da Maconha, é garantido e resguardado pelo Supremo Tribunal Federal. Por isso que em 2019 já temos compromissos marcados com as audiências públicas, atos, eventos, marchas da maconha e afins que lutem por uma mudança real e eficaz.

Fazer acontecer sempre, esperar jamais! Esse deve ser o nosso lema de 2019, deixar de lado a zona de conforto e partir para o ataque!

Continue conectado, foram mais de 1.200 notícias sobre a maconha apuradas, produzidas e publicadas na Smoke Buddies, para mais de um milhão de consumidores em 2018.

A Smoke Buddies, sua fonte diária de informação sobre a maconha, deseja que em 2019 nós possamos colher os frutos da luta pela regulamentação no Brasil.

#PraCegoVer: ilustração (capa) colorida de um punho cerrado apontado para cima, símbolo de apoio e solidariedade, segurando uma folha de maconha. Créditos da arte: Zanon.

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Sobre Dave Coutinho

Carioca, Maconheiro, Ativista na Luta pela Legalização da Maconha e outras causas. CEO "faz-tudo" e Co-fundador da Smoke Buddies, um projeto que começou em 2011 e para o qual, desde então, tenho me dedicado exclusivamente.
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