MACONHA E VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO

No Brasil, entre os tantos abusos cometidos pelas autoridades policiais, a invasão de domicílios sem as provas de que exista o tráfico de drogas e sem considerar que o uso de maconha ou outras drogas não é mais sancionado com a pena de prisão ocorre impunemente com a justificativa da fadada guerra às drogas. Saiba mais sobre o assunto na coluna semanal do advogado e ativista André Barros.

A intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas consistem em direitos humanos invioláveis garantidos pela Constituição Federal. Da mesma forma, a casa é o asilo inviolável do indivíduo e ninguém pode nela entrar sem o consentimento do morador.

Excepcionalmente, a Constituição franqueia a entrada no domicílio em casos de desastre, para prestar socorro, por ordem judicial, somente durante o dia, ou em caso de flagrante delito. A maconha entra neste último caso, por consumo ou tráfico. Segundo a lei, ambas as situações são criminalizadas e a autoridade policial poderia entrar de dia ou de noite, sem mandado judicial, para prender o autor do crime em flagrante delito. No entanto, no caso de consumo, em tese, a polícia não poderia entrar na residência, pois tal conduta não é mais penalizada com a privação da liberdade. Por lógica, nenhuma ordem judicial poderia ser expedida para prender alguém que está fumando maconha dentro da sua casa, pois tal conduta não é mais sancionada com a pena de prisão. Seguindo o mesmo raciocínio, como poderia ser legal o flagrante delito para prender alguém que está praticando um crime que não é mais sancionado com prisão? E mais: a Constituição equipara a situação de flagrante com desastre ou pedido de socorro, situações gravíssimas, sem qualquer relação com o consumo de maconha. Sendo assim, a polícia não poderia quebrar a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio por uma conduta para a qual não existe pena privativa de liberdade.

Já o tráfico de drogas, segundo jurisprudência dominante, é considerado um crime de caráter permanente, que autorizaria a entrada da polícia no domicílio. Mesmo assim, uma ação dessa magnitude deve ser amparada em razões justificadas posteriormente, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente policial e nulidade dos atos praticados. Não configura justa causa a mera “intuição” da autoridade policial, pois a garantia da inviolabilidade do domicílio não pode ser mitigada sem claras razões para a invasão da casa.

Para a invasão do domicílio ser fundada, a polícia deveria fazer uma campana, observar a movimentação e até flagrar pessoas que tenham saído do mesmo local com drogas ilícitas. Caso não se possam demonstrar esses fatos ou a quantidade de substância apreendida não seja significativa, as provas obtidas por meio da invasão ilegal do domicílio são ilícitas. Nesses casos, com base na “Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada”, impõe-se a absolvição, por falta de prova material.

Revisão: Marta Bonimond

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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