A maconha e o estresse pós-traumático no Brasil

Só mesmo um baseadão para aliviar o estresse de ver, agora, a queda de Eike apenas como confirmação do que era óbvio: que essa dinheirama não tinha nada a ver com glamour, espírito público ou dinamismo econômico

A cena do veterano de guerra Sean Azzariti, primeiro cidadão a comprar maconha legalmente no Colorado no primeiro dia de 2014, dá o que pensar. Sean disse que o uso da erva vai ajudá-lo a aliviar o estresse pós-traumático adquirido no Iraque. Nem precisava justificar, considerando que o plantio e a venda naquele estado americano, que já permitia o consumo para fins medicinais, foram liberados agra para uso recreativo.

Se, por um lado, a explicação de Sean soa como tentativa culpada e até meio covarde de legitimar moralmente o que já se tornou legítimo por lei, por outro lado tem o mérito de, num país onde quase tudo é marketing, impulsionar a causa de quem defende a regulamentação universal da erva para todos os fins ou mesmo sem fim algum, que costuma ser o principal motivo para se consumir qualquer coisa.

Mas o melhor mesmo é usar a atitude de Sean para fins recreacionais. Imagina no Brasil? Aqui, onde a maconha é vista pelos seus ferrenhos detratores e seus zangados inimigos como causadora de traumas e estresses, os partidários da liberação (e até os políticos que trabalham pela causa) podiam adotar a lábia do veterano ianque como principal mote das campanhas nacionais para a legalização — que hoje se limitam a ingênuas marchinhas litorâneas sem qualquer sofisticação estratégica.

Afinal, a sorte de viver num país lindo e multicultural como o Brasil não esconde uma de suas maiores chagas: somos, cada vez mais, uma nação de estressados pós-traumáticos, ou de traumatizados pós-estressados (ou pré, conforme o caso).

Se aprovada a ideia, a causa sairia imediatamente fortalecida por uma horda de torcedores do Botafogo desesperados para aliviar o estresse acumulado após tantos traumas, que têm como marco zero o jejum de 21 anos e se perpetuaram numa série de azares, derrotas impossíveis para o Flamengo, viradas de 2×0 para 4×2 em 15 minutos e exportação de ídolos para a Rússia.

Ora, somos, de repente, um país de órfãos de Eike Batista. Precisaria do Ibope (alô Montenegro, quer patrocinar essa?) para descobrir quantos brasileiros estão até agora traumatizados com a ascensão, ao longo de 2013, de Eike a herói empresarial-financeiro-estatal com cores de glamour midiático.

Só mesmo um baseadão para aliviar o estresse de ver, agora, a queda de Eike apenas como confirmação do que era óbvio: que essa dinheirama não tinha nada a ver com glamour, espírito público ou dinamismo econômico.

O ano que passou, aliás, foi rico em estresses para aliviar. O terreno cultural vivenciou um dos maiores: a Batalha das Biografias, que fez vítimas em todos os setores da sociedade. Quantos gramas de maconha seriam suficientes, de cara, para aliviar o trauma sofrido por Caetano, Chico, Gil e Djavan com a porrada que levaram por alçar a pipa do Procure Saber? Não falo do Rei porque, para acalmar sua fúria contra tudo o que se diz da sua vida privada e pública ia ser preciso um grande esforço de regulação de estoques.

Mas o grande traumatizado da Batalha das Biografias foi, no fim das contas, o próprio público: necessário ou inútil, o debate sobre a censura prévia das bios cansou a beleza e os nervos até dos mais pacientes, ordeiros e hospitaleiros brasileiros, que, por terem aturado tal teatro, teriam boa desculpa para um spa recreacional verde de emergência na Jamaica.

Voltando ao futebol, que é um celeiro de traumas, como absorver no sistema neurovegetativo, sem a little help from my friends, o que fizeram com o Maracanã? Ver o Mário Filho assim descaracterizado e assim cooptado por uma política racista de preços de ingressos deixou a maior parte dos canarinhos minimamente sensatos, amantes ou não do futebol, depenados, precisando urgentemente de um shot de cannabis para voltar a cantar em verde-e-amarelo.

Já os tricolores seriam privados de sua dose inicial de 28 gramas (o pacote mínimo no Colorado), já que se curaram, justa ou injustamente, do trauma pelo método tradicional dos tribunais. Se bem que rola uma certa culpa no ar, e uma certa pressão rubronegra que pode vir a demandar outras terapias… Já os vascaínos teriam que reforçar o azeite com um puro hemp extra-virgem.

A campanha para a legalização com este mote teria em 2014 um ano fértil para implantação. Afinal, brasileiros e brasileiras vão ter que engolir mais um ano eleitoral de lascar, durante o qual predominarão a uma taxa de pelo menos 97% as velhas ideias e as plataformas enferrujadas que insistem em chatear, traumatizar e estressar o povo.

No meio de tudo isso ainda teremos uma Copa do Mundo na qual o sentimento nacionalista (e seu uso pelo governo e, de revés, pela oposição) entrará de novo em choque com o ímpeto de protestos num ambiente de baixa representatividade política. Desse jeito, quem consegue relaxar sem um descompressor ecológico?

Crônica por Arnaldo Bloch
Colunista do Jornal O Globo

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