MACONHA E DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL

Fotografia com efeito de mosaico que mostra duas mãos negras, uma segurando um baseado aceso entre o polegar e o dedo médio e a outra envolvendo esta, e um fundo em tons de marrom na parte direita da imagem.

Mais uma aula de história brasileira pelas mãos do advogado e ativista, André Barros. No texto dessa semana, André aborda a relação entre a desigualdade social gritante de nosso país e, claro, a criminalização do uso do Pito do Pango, a boa e velha maconha. Entenda mais sobre o tema que muito diz sobre nossa realidade atual.

A maconha foi criminalizada pela elite, que perseguia toda a cultura e os hábitos dos negros. A escravidão é a raiz da brutal desigualdade social de hoje. Os índios que aqui viviam e os negros degredados da África foram escravizados pela elite branca portuguesa e seus descendentes. Essa raiz foi herdada por gerações e gerações, de maneira que, hoje, no Brasil, uma minoria branca de ascendência portuguesa vive maravilhosamente bem em suas propriedades, enquanto até hoje índios e negros lutam por suas terras e sobrevivem na miséria ou na pobreza, sem terem sequer acesso ao saneamento básico.

A maconha era usada para fazer as velas e as cordas das caravelas portuguesas. Com suas fortes fibras, a maconha foi fundamental para as Grandes Navegações. Portugal tinha interesse em produzir maconha para substituir as importações. Por conta disso, a fibra de linho-cânhamo, como era chamada, custava uma fortuna, era o petróleo da época. Embora várias tentativas tenham sido feitas, nenhuma delas vingou. Aproveitando para ocupar o sul do Brasil, ameaçado pela Espanha, em 10 de outubro de 1783, o vice-rei daqui fundou a Real Feitoria do Linho-Cânhamos do Rincão do Canguçu no Rio Grande do Sul. A maconha também era anunciada de forma efusiva como remédio para asma, afonia, insônia, dores e diversos outros fins, vendida em gotas, plantas, fibras e cigarros.

Os negros trouxeram o hábito de apreciar a erva vinda da África. Como toda sua cultura foi penalizada, a forma de seu consumo pelos negros foi criminalizada. Por isso, em 1830, a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, no § 7º da Lei de Posturas Municipais, criminalizou com três dias de prisão a forma dos escravos usarem a planta, descrevendo a conduta de fumar maconha em pequenos cachimbos, como era chamado o Pito do Pango.

Trata-se da criminalização primária, quando leis são feitas descrevendo condutas para permitir a punição de determinadas pessoas. A criminalização secundária, por sua vez, é exercida pela polícia, selecionando as pessoas que serão presas. Todo um sistema de repressão formado por aparelhos do Estado, que envolve legisladores, governadores, polícia, ministério público e juízes, comandados pela elite, oprime as classes pobres e perigosas. Uma minoria privilegiada vive às custas da miséria da maioria. Como a elite não quer sujar as mãos, essas prisões são realizadas por policiais, também, pobres para prender pessoas da mesma classe social. Um verdadeiro processo de marginalização, exercido, também, por aparelhos ideológicos, como a imprensa. Manchetes de jornais estampavam prisões de negros, sempre em favelas, principalmente nos morros da Favela e da Saúde, localizados no centro da cidade, chamados de fumadores de maconha, maconheiros e viciados. Essa prisões eram normalmente realizadas pela Seção de Tóxicos e Entorpecentes da Primeira Delegacia Policial, que ficava, também, no centro do Rio de Janeiro.

Toda esse sistema repressivo usou a planta da paz e policiais da mesma classe social para construir e estruturar toda uma brutal desigualdade social e regional, numa sociedade de uma elite branca e rica e explorados negros, índios e pobres.

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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