Maconha e Arma

“Agora, quando a “diamba” pode ser legalizada, sua venda não deveria ficar apenas com o Estado ou o mercado, mas sim, a volta das bocas de fumo deveria ser garantida aos morros do Rio de Janeiro. Poderiam ser entregadas as armas e os comerciantes, de drogas que ainda são hoje consideradas drogas ilegais, seriam anistiados. Através de cooperativas de autocultivo das comunidades, também conhecidas como favelas, o lucro seria revertido para os moradores.”

Há pouco tempo me deparei com uma matéria de jornal mencionando que existem “bocas de fumo” em comunidades com Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). O termo é inadequado, pois a boca de fumo, também chamada de “vapor”, existiu somente até o início dos anos 80 do século passado. Ambos os nomes eram relacionados ao fumo, pois só se vendia maconha. Normalmente, dois moradores do morro, armados de um revólver 38, cada um, ora permaneciam em determinado lugar, ora circulavam, quando a polícia aparecia. Vendiam pequenas mutucas e cartuchos de maconha, com apenas algumas gramas e baratos.

Verdadeiras secas de maconha na cidade foram promovidas pelo cartel dos financiadores das drogas tornadas ilícitas, que oligopolizam até hoje tais negócios em razão da ilegalidade. Isso aconteceu principalmente entre 1981 e 1982, quando a erva da paz sumiu da cidade. Sem o fumo de Angola no asfalto, a classe média, que comprava de 50 a 100 gramas trazidas do polígono da maconha, se arriscava a subir o morro. Nesse início da década de 1980, principalmente nas férias escolares, o pito do pango desapareceu das praias.

Começava, paralelamente, a entrada da cocaína e de armas mais pesadas, como as “escopetinhas”. No inicio, eles eram poucos, mas logo o número de funcionários aumentou. Hoje, todos vemos como o tráfico está bem armado. Financiadas pela relação entre armamento pesado e cocaína, pessoas de fora da própria comunidade se estabeleceram por meio de muita violência. Corresponderiam esses dois tipos de mercadoria a moedas de troca diretas de uma relação comercial, armas e cocaína, uma pela outra? Além disso, a ilegalidade é uma desculpa para a suposta incompetência do sistema penal nesse tal combate. O próprio Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro já admitiu que é impossível acabar com o tráfico e que se trata de uma realidade mundial. Só faltou concluir que a única maneira de acabar com o tráfico seria a legalização.

Como pode o sistema penal punitivo do Estado dizer que está combatendo o que sequer conhece, o mercado das drogas tornadas ilícitas? Se legalizado, o sistema de defesa da concorrência, ou seja, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), poderia traçar um panorama desse mercado, como se faz com qualquer produto. Conhecendo bem o mercado de cerveja através desses órgãos, o Estado certamente tem ciência de que praticamente não existe concorrência sob o poder da AMBEV. O cartel da AMBEV é dono das marcas Skol, Brahma, Antarctica, Bohemia, Original, Polar e Serramalte, Skol 360º e Antarctica SubZero, Budweiser, Stella Artois, Quilmes, Leffe e Hoegaarden.

Tudo isso consiste numa verdadeira farsa, daí o sistema penal do Rio de Janeiro nada mais ser do que a continuação do açoite da escravidão. Somente colocam na cadeia negros, pobres e jovens, já presos “na miséria da favela”. como cantou, em 1988, a Mangueira em “100 Anos de Liberdade – Realidade ou Ilusão?”, samba-enredo tão bonito que chega a doer o coração, um dos maiores de todos os tempos. Esse sistema apenas serve para manter umas das mais brutais desigualdades sociais do planeta. Milhões de crianças sem saneamento básico, brincando entre ratos e porcos em valas sujas: essa é a realidade das favelas da cidade maravilhosa.

São impostos somente três modelos para os pobres no Rio de Janeiro: tráfico, milícia e UPP. Queremos apresentar um outro, horizontal e transversal: a legalização da maconha. Durante muito tempo, as bocas de fumo representavam a resistência do comércio de maconha no morros da cidade. Até os anos 1960, a planta era discriminada como “coisa de pobre”, pois eram os pobres que a consumiam e comercializavam. Agora, quando a “diamba” pode ser legalizada, sua venda não deveria ficar apenas com o Estado ou o mercado, mas sim, a volta das bocas de fumo deveria ser garantida aos morros do Rio de Janeiro. Poderiam ser entregadas as armas e os comerciantes, de drogas que ainda são hoje consideradas drogas ilegais, seriam anistiados. Através de cooperativas de autocultivo das comunidades, também conhecidas como favelas, o lucro seria revertido para os moradores.

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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