Maconha e a autoridade do jaleco

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Geraldo Miniuci, Professor de Direito, questiona o posicionamento de Associações contra a liberação da maconha colocando em cheque diversos argumentos proibicionistas: “Por que, sempre do ponto de vista médico, o viciado deve ser tratado como criminoso e não como paciente?”. Leia artigo de Geraldo Miniuci publicado no Estadão.

Tanto a proibição, como a legalização da maconha são estratégias para a realização dos mesmos objetivos: segurança e saúde. A questão que se coloca diz respeito à eficiência de uma ou de outra. Há mais de 50 anos proíbem-se a venda e o consumo de drogas, que, não obstante a repressão, não somente cresceram nesse período, como também diversificaram-se: se, nos anos 1960, as drogas mais populares eram maconha e LSD, hoje temos cocaína, crack e infindáveis tipos de outros entorpecentes à disposição do mercado.

Diante disso, debate-se se a legalização do consumo de drogas, de modo geral, ou da maconha, em particular, não poderia atingir esses objetivos, uma vez que, de um lado, ela ofereceria ao consumidor um mercado supervisionado pelo poder público, seguro e livre da interferência do crime organizado que, desprovido de importante fonte de recursos, se veria enfraquecido. De outro lado, o usuário de drogas deixaria de ser tratado como criminoso. Seu vício não seria mais um problema policial, mas de saúde, e como tal deveria ser tratado.

Se segurança e saúde podem ser objetivos comuns de quem defende seja a proibição, seja a legalização das drogas, cada uma dessas políticas têm, no entanto, objetivos próprios: proteger uma determinada moralidade vigente na esfera pública, no caso da proibição, proteger a liberdade individual na esfera privada, no caso da legalização. Pode-se acrescentar ainda o aumento da arrecadação tributária que adviria da venda e do consumo legalizados de drogas, mas trata-se de um efeito colateral, uma vantagem que seria inadmissível, se não estivesse em jogo um valor tão caro a uma sociedade liberal: o individualismo.

Nesse debate sobre a legalização de drogas, inaugurado já há algum tempo, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD) divulgaram manifesto assinado por todos os médicos psiquiatras da Comissão de Dependência Química da ABP, sob o título ”Associação Brasileira de Psiquiatria se manifesta contra a legalização da maconha” (disponível em www.abp.org.br/manifesto/manifesto.pdf). Nele, são apresentadas 10 razões pelas quais os manifestantes são contrários a eventual decisão política de liberar o uso daquela droga.

Os motivos avançados podem ser resumidos da seguinte forma: de um lado, há referência a fatos que somente profissionais da área de saúde têm formação para avaliar, como, por exemplo, a relação entre consumo de maconha e esquizofrenia ou o seu impacto no desenvolvimento do cérebro de adolescentes ou na estrutura psíquica do usuário. De outro lado, porém, os signatários do manifesto fazem referência a questões que não são médicas. Nesse sentido, alegam que falta estrutura para o tratamento de dependentes, que a maioria do povo brasileiro é contra a legalização e que a agência americana Food and Drug Administration (FDA) é igualmente contra. Supõem, ademais, que a legalização não trará nenhum impacto significativo sobre as atividades do tráfico ou que haverá aumento no número de acidentes de trânsito. Ora, as questões de infraestrutura, o apoio ou a reprovação a alguma proposta, o crime organizado e a educação de motoristas que dirigem embriagados ou sob efeitos de drogas, nada disso é propriamente um problema médico, mas de ordem administrativa, política, criminal e educacional.

Seja como for, sejam os fatos alegados de natureza médica ou não, a ABP não responde à pergunta que ela mesma se propôs, deixando em aberto uma questão essencial: por que reagir a esses fatos, tratando-os como caso de polícia, e não de saúde pública? Haverá alguma razão médica para criminalizar o uso recreativo ou mesmo o uso doentio da maconha? Por que, sempre do ponto de vista médico, o viciado deve ser tratado como criminoso e não como paciente? Se há razões médicas para imobilizar o membro fraturado de uma pessoa, haverá razões médicas para privar um usuário de drogas de sua liberdade? Se falta estrutura para o tratamento de dependentes no sistema de saúde, por que então deixá-los no sistema prisional? Do ponto de vista médico, as condições serão, por um acaso, melhores?

Em suma, ao posicionarem-se sobre a legalização da maconha, os signatários do manifesto tornam pública sua postura política a favor da criminalização. Convencidos dos malefícios do entorpecente, defendem a repressão como terapia, mas não explicam se essa recomendação realmente faz parte de um receituário médico ou se ela não está, na verdade, meramente a serviço de um determinado moralismo que se vale da autoridade do jaleco branco para impor-se.

¹Geraldo Miniuci – Professor Associado do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

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