Literatura Sativa: Que culpa tem meu Pé de Maconha?

 

Ah, hoje eu estou assim mesmo.

Você nunca esteve lelé da cuca? Então, pior sou eu: um Lelé da Cuca, sem substantivo próprio que seja capaz de se publicar todo desbaratinado e em um livro numa crise mundial qualquer. Mais infeliz que um poema de Fernando Pessoa, mais infeliz que um verso de Alberto Caieiro, eu vegeto ao vivo e sou
bem feliz por isso. Sou de Gaia e de Hera.

Sou hoje um presidiário e sofro augúrias do Diabo por isso. Por isso, meu pé de maconha leva a culpa toda. A tatuagem leva toda a culpa do pé. Meu pé de maconha precisa ser amputado? A polícia tem culpa no cartório?

Amanhã eu sei que, assim como hoje, eu vegeto ao vivo e a cores. E, se estagno, logo penso; se penso, semeio ervas sagradas entre laranjais. Sou um Che Cannabis, arisco de filosofia e já crente de si mesmo, antes dos cinquenta anos de idade, assim como previa um autor modernista brasileiro: conseguir ensinar literatura brasileira, compor um livro e falar mais de um idioma. O poeta Manuel Bandeira lá e eu, então, proseei com ele no sonho:

— Manuel, meu amigo virtual, eu deixei de ser hipócrita e sofista ontem. Hoje sou de um amor inconsequente, coisa de gente absurda. Quero ser um poeta que sabe dar bandeira feito ti.

Eu amo isso de ser assim: absurdo e sem nexo. Minha poesia, eu bebo em Maiakovski por meio dos ossos do ofício, e até chupálos de canudinho, eu chupei palavra por palavra, crucificando-me com os pregos das palavras daquele maldito russo. Lindo russo. Eu chorei de felicidade diante da tradução dele por um dos irmãos Campos. A história de Maiakovski e sua poesia que não era em russo, pois abrasileirada.

Tipo um Pepe Mujica, que podia fazer, do Brasil, uma grande nação. Mujica e Evo Morales para presidente do Brasil. Eu quero uma grande petrolífera de cannabis sativa. Ouvindo-me, Manuel Bandeira aproximou-se. Calado, me ouviu atentamente dizer em alto e bom tom:

— Eu bebi no lirismo que não é libertação e no que é, Manuel. A história de Édipo, por mais digital que seja, poderia terminar sem uma explicação de Freud. Não acha? Freud era usuário da cocaína, todos sabemos disso. Você concorda, Manu?

— Che Cannabis, eu estou muito velho. Já quase morri de um poema que me veio no banheiro e o fedor subiu, pois eu estava sem papel pra realizar o grande feito.

— Jura?

— Juro, Che Cannabis, pela alma de meu pai que me quis arquiteto. Sem saúde, virei poeta menor. Preciso recitar meu poema mais profundo, depois de Pasárgada, pra você e me ir.

— Que honra, doutor Manuel Badeira. Que honra!!!

— Chama-se “Sonho de uma noite de coca”.

— Bravo! Que título!

— “O suplicante – Padre nosso que está no céu, santificado seja o teu nome. Venha a nós o teu reino. Seja feita a tua vontade, assim na terra, como no céu. O pó nosso de cada dia nos dá hoje… / O Senhor (interrompendo enternecidíssimo) – Toma lá, meu filho. Afinal tu é pó e em pó te converterás.”

— Sem palavras, poeta dos poetas. Deus é demais de bom e justo!

Manuel Bandeira retirou-se, fantasmagoricamente, foi-se e eu fiquei só, no silêncio musical de uma cela 021, pois era dia e todos molhavam-se de luz no banho de sol, menos eu. De castigo, eu fiquei ainda mais confinado na pequena grande e gradeada cela, sem direito a reclamar.

Reclamar dá nisso, sem banho. Eu não sou rei. Guarda e preso por ser maconheiro errante, por mais que a acusação minha seja a mais leve possível, atravessei a minha pena sem ser culpado, sendo. Complexo?

Nenada…

Waldemar Valença Pereira é Professor, mestre profissional em letras e autor da obra literária  “Pé de Maconha – Che Cannabis nas andanças da ciência” que aborda a erva em prosa e poesia. Entre em contato com o autor através do email checannabis@hotmail.com ou através da redação pelo contato@www.smokebuddies.com.br.

Ilustração: Cacique Zé Coice, João Divino e Danieluiz

 

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