Literatura Sativa: Eu terei um Pé de Maconha

 

Eu já disse que o Castelo da Morte fica no Bairro América do Sul?

Saindo do trabalho, num dia de sol, em 2004, quase quatorze anos atrás, depois de descansar, longe do Bairro América do Sul, eu fui me tatuar com uma pessoa maravilhosa, chamada Marcow Tatoo, nosso fraterno amigo do Bairro El Shadday. Morava perto do Reformatório El Shadday, um outro nome para Deus, assim como Yavé, Jeová, Alá, mas agora era o nome do nosso bairro e também de uma coisa.

Eu ensinei lá, no Colégio Vermelho Vinho.

Anos depois, o amigo Vini Curió, irmão de fé, me levou lá, na casa do Marcow Tatoo, pra fazer uma arte no meu pé.

De folga, no meu serviço de plantão, como um guarda prisional efetivo, no Brasil da Era Digital, concursado e inexperiente, cheguei à casa do artista do desenho na pele humana. Eu só me lembro da dor de fazer uma tatuagem em meu pé direito na vida.

No dia, o tatuador Marcow ainda me deu a ideia:

— Você vai plantar essa ideia em qual pé?

— No pé direito, Marcow. Eu quero o desenho de um sol e, na lateral, feito tiras de sandália, quero dois tribais com a folha da planta da maconha.

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Depois de duas horas de sessão, continuei a explicar-me, cheio de dor no pé:

— Além do mais, Marcow, eu quero amanhacer todo dia com o pé direito, na vida, que me trouxer um sol bem grande e iluminando. O meu dia, os meus passos quero todos estudados, através do amor aos pontos cardeais. O Estado nunca poderá me prender, apenas por eu estar defendendo uma ideia para sempre no meu pé direito, Marcow. Eu terei um pé de maconha e não poderei ser preso por isso, já que se trata de uma arte, uma imagem corporal revolucionária, rabiscada nos pés, de um professor de Português e Literatura, de jovens e adultos, que também lutou como louco pela paz e caiu como Guarda Prisional. Estava tão excitado com o debate sobre o poder da maconha, na cultura do Brasil e do mundo, que depois de três horas de desenho no meu pé direito, consegui pensar em algo e disse pra Marcow e Vini:

— O sistema não pode me prender. Apenas pode me deportar, me chutar pra longe. Só que eu liquidado, na musculatura física, compartilho insônias e dores noturnas.

Continuei:

— Não sou o Val Valença que nasceu para ser famoso. Sou o grande Che Cannabis que nasceu para ser inquirido e queimado vivo na fogueira. Que absurdo! Sou bárbaro, mas eles não tem educação, o que é pior.

A voz do fantasma de Clarice Lispector me caçoava de longe a me dizer:

— Val Valença não chega aos seus pés, Che Cannabis. Ele é apenas um escritor, enquanto você é um ativista de merda, meu amigo esquizofrênico!

E Marcow, rompeu o silêncio, chamando sua hora de falar conosco. Ar de jornalista, perguntou-me indignado:

— Che Cannabis, a maconha vai ser liberada quando mesmo no Brasil?

Respondi esperançosamente o seguinte:

— Em breve, Marcow. Faremos muitas marchas pela legalização no Brasil e nos juntaremos à Marcha da Maconha. Você espere quinze anos, mais de cem marchas, que o dia há de chegar, ou eu vou morar no Canadá, que é pra rimar. O Canadá é a coisa mais linda do mundo, franceses e ingleses, pulverizaram os índios e vieram, a fim de povoar. Fizeram uma colônia de povoamento, deram início à liberação medicinal da maconha no século XXI. Aqui a gente vai ter de esperar o povo estudar um pouco mais, desligar a televisão e ligar o computador. Ao invés de ser programado, o povo brasileiro tenderá a se autoprogramar.

Waldemar Valença Pereira é Professor, mestre profissional em letras e autor da obra literária  “Pé de Maconha – Che Cannabis nas andanças da ciência” que aborda a erva em prosa e poesia. Entre em contato com o autor através do email checannabis@hotmail.com ou através da redação pelo contato@smokebuddies.com.br.

Ilustração: Cacique Zé Coice, João Divino e Danieluiz

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