Literatura Sativa: À espera de um Alvará de Soltura

Eu escrevo esta história pra jovens que são velhos de mente e, também, pra velhos bem jovens, e pra mulheres perdidas de não querer mais nem estudar e nem ler e, por fim, eu escrevo pra mulher de preso que é mulher valente por dentro e cheia de mágoas. Eu escrevo esta história para saber que não me pertence a Academia Brasileira de Letras. Sou irreal até pra mim mesmo de esquizofrênico. Nenhum cara com minha doença vai revelar-se nu e cru. De covarde, basta eu: Che Cannabis.

Um dia eu hei de plagiar a minha própria história sobre mim. Hoje não, porque, simplesmente, hoje não é hoje. Não exatamente. Hoje: estou preso. Ontem: estava no paradoxo, professor e guarda. Hoje estou à espera de um Alvará de Soltura que me jogue fora, no lixo social.

Amanhã: Rio de Janeiro, onde hei de chegar, antes de pegar o fluxo pra Califórnia, nos EUA. Depois eu migro pra Bolívia, encontrar La Paz. Queria ser um uruguaio, em La Paz, mas não foi possível nem ser argentino, de brasileiro que sou. A história pode ser amanhã publicada, pra você será hoje e agora, ou ontem. Somos, você e eu, meu leitor, paradoxais não-declarados pra não ofender os que buscam a explicação sobre qual é a natureza humana das pessoas terráqueas.

Amanhã não existe, mas existe o sim e o não e o talvez! Me sinto às vezes um extra-terrestre. Terráqueo, sei que hoje está com cara de pra sempre. Sempre eu estive aqui com meu pé de maconha numa tatuagem da cannabis, a famosa cannabis sativa, uma planta que era macho e virou fêmea, rastejando-se aos meus pés.

Quando acordo, ela está lá em meus pés de andar. Ando por aí com este pé que Deus me deu. Que Zeus não me tirou, nem Juno, quando eu caí da moto sem capacete, em alta velocidade, com meu irmão na garupa, eu passageiro de meu amigo e a queda era destino certo, dois alcoólatras daquele episódio.

Ele acordou no hospital, eu acordei dopado de Oxigênio, antes dele, na ambulância. Lasquei minha testa. Hoje sou tatuado na testa e sou menos danado. Quase morri em um átomo de segundo na queda frontal. Eu estava alcoolizado, mas deixe pra lá. Não acho que a culpa foi do álcool. Acho que foi minha e pronto, mas restamos salvos. Fica mais fácil pra falar com Deus depois.

E se Deus roubar a deusa Hera do infiel Zeus?

Vai dar morte?

Vou parar com minhas viagens e vou continuar. Sempre eu estive aqui, em forma de livro, e depois de muita pesquisa, agora meu pé carece de umas sandálias para descansar. O livro sobre a maconha não deveria ser proibido, jamais. Eu sempre estive aqui na forma incorporada de outros livros medicinais. Digo assim, pois livros e gentes dão jeito na mente.

As telenovelas fazem sucesso pelo uso do cabresto.

Eu vou sentar a minha cara de bunda e escrever este livro logo no teclado de um notebook. Podia escrever este livro, mas preferi digitar sua coisa escrita. Eu não sou nenhum nativo digital, mas qualquer maconheiro, se for ousado, pode revolucionar essa coisa toda de Educação, Saúde e Justiça no Brasil.

Eu estava legalizado por dentro.

Era chegada a hora então de escrever sobre a Dita-cuja e me legalizar mais ainda por dentro. Legalizar-me por fora não adianta. Eu tenho medo da polícia bater à meia noite em minha porta e me levar pra sempre. Infeliz ditadura termina quando?

Hoje minha porta é minha cela 021. Vai encarar, Che Cannabis? Uma voz me põe contra a parede. Vão me expulsar do país? Não, a ditadura acabou. Hoje, eles também matam. Nada disso, eu sei, vão proibir o meu livro. Motivo alegado: falta de assunto. Mas explique a eles que eu sou um autor pós do modernismo.

Sou o Arthur Bispo do Rosário de carne e osso.

Será que estará escrito na capa deste livro que o conteúdo é exclusivo apenas para maiores de não sei lá quantos anos? Dezoito ou dezesseis ou até quinze anos, quem sabe lá dizer. Lei é lei? Eu não acredito nisso. Lei é e pode ser mudada? Sim, isso sim, quando for para beneficiar uma população, principalmente. Beneficiarmo-nos com saúde, eis a lógica de liberarem a maconha no meu país. Mas
o conservadorismo é tão grande, que a maconha virou a erva do Diabo, o pai do pecado e a galera não aceita, tipo fundamentalistas islâmicos, recusando o diálogo com a ciência contemporânea.

Esse livro é baseado no dialogismo de Michail Bakthin e na psicologia de Sigmund Freud. Tem pacto com Deus e assume a forma de Diabo. Inclusive, vá parar nos diabos, quem for aquela pessoa que acha (apenas acha, pois se recusa a analisar as provas científicas) que a maconha deve ser proibida no Brasil ou no mundo.

Eu marcharei amanhã, se eu viver, pela liberação das drogas todas e, principalmente, pelo plantio e consumo da maconha no Brasil. Ao seu lado, não estarei com eles e nem com certos doutores da lei. Mesmo assim, embora eu marche e leve meu pé de maconha, a polícia não poderá me prender só por isso de escrever sobre mim mesmo. Ética é o “Meu pé de ma maconha” brotar de palavras, frases, textos, sons e ideias e ser omisso com a política opressora da classe dominante.

Não há Semiótica da Polícia Federal que me comprometa com a coisa do tráfico de drogas no Brasil. Eu sou apenas um escritor chamado Che Cannabis. Eu sou da arte. O mundo é injusto, porque somos pessoas injustas, quase sem Educação e certamente sem dinheiro suficiente pra fazer uma ação positiva na vida. Tenho certeza de que a minha esquizofrenia não comete apologia ao crime, vejo-me tal qual um ativista. Sou de cinema, paradoxal que só. Este livro é apenas uma prova de que eu existo e findo sendo
como sou.

Agora mesmo, receba isso de boa: eu estou à deriva, me guiando pelo direito a permanecer calado, pois tudo que eu possa dizer, poderá ser usado contra mim no tribunal. Quem afinal de contas é esse tal de Zé Coice? Sei lá. Não quero me comprometer nos tribunais internacionais. Agora, preso e sem usar drogas no Castelo da Morte, sem usar nada que nada entrava, durante as estiagens piores que a do Polígono das Secas, época de represálias enormes, um sol a pino, hei de me revelar maconheiro e dizer em espanhol:

— Yo estoy listo!

No entanto, eu confesso a você que eu não sei onde essa esquizofrenia há de me levar. Só continuando a me reviver num romance autobiográfico pra saber ser, sendo.

Olha só que coisa!

Waldemar Valença Pereira é Professor, mestre profissional em letras e autor da obra literária  “Pé de Maconha – Che Cannabis nas andanças da ciência” que aborda a erva em prosa e poesia. Entre em contato com o autor através do email checannabis@hotmail.com ou através da redação pelo contato@www.smokebuddies.com.br.

Ilustração: Cacique Zé Coice, João Divino e Danieluiz

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