LEVEI UM TAPA DO BARATA

O dia em que o advogado fez papel, mais uma vez, de manifestante. Na coluna da semana, o advogado e ativista André Barros conta um pouco sobre a noite em que, diferente do que faz nas manifestações e Marchas da Maconha nas terras cariocas onde se dedica a defender os direitos dos presentes, resolveu deixar seu terno para se misturar ao povo indignado no grito contra mais injustiças de um governo falho. História das boas. Ótima leitura!

As manifestações de junho de 2013 foram impulsionadas pelo aumento das passagens de ônibus e metrô. Atuei como advogado desde a primeira, quando 31 jovens foram detidos e, junto a colegas, conseguimos impedir todas as prisões. Depois, o movimento cresceu e chegou a alcançar 100 mil pessoas, na avenida Rio Branco, e 1 milhão, na avenida Presidente Vargas. Já com muitas advogadas e advogados, evitamos as prisões de centenas de ativistas.

Confesso que sentia uma tremenda vontade de participar enquanto manifestante, como fazia na época do movimento estudantil, mas sabia que ajudaria muito mais atuando como advogado: eram outros tempos. Muitos colegas ainda criticaram nossa atuação, pois nos viam como manifestantes. No sábado de 13 de julho de 2013, passaram por mim ativistas que se dirigiam ao Hotel Copacabana Palace, gritando que ali estava acontecendo o casamento da filha do Barata com o filho do Cabral. Depois, soubemos que o noivo pertencia a uma família milionária do Ceará.

Fui lá conferir o ato, sem terno. Parei primeiro num quiosque da orla para sentir o terreno. Logo me deparei com alguns manifestantes e um grande número de policiais e seguranças. Já fiquei indignado com a quantidade de carros de luxo estacionados irregularmente em plena calçada do Copacabana Palace, mas sob a permissão de todas as autoridades e policiais presentes. Subitamente, apagou-se a iluminação pública, de maneira semelhante à de quando começava a repressão nas manifestações daquele ano.

Como era sábado, no meu bairro, vestido à vontade, e não seria reconhecido, realizei meu desejo de participar como manifestante naquela noite. Fui para a frente do Copacabana Palace, imersa na escuridão, e me reuni a uma bem humorada aglomeração que recepcionava os mil convidados com o grito: “a,e,u, todo mundo pra Bangu!”, em referência ao terrível Complexo de Gericinó, para onde vão os presos provisórios e condenados, em sua quase totalidade, jovens negros e pobres. Naquela época, ninguém imaginava que Cabral passaria um tempo por lá.

Da sacada do hotel, muitos convidados, em atitude arrogante, começaram a ofender os ativistas, arremessando notas de 20 reais e moedas. O clima começava a ficar tenso. Sem êxito, os ativistas tentavam esvaziar os pneus daqueles carros de luxo. Os “bacanas” começaram a jogar ovos nos manifestantes, até que um deles estourou no meu sapato novo. Um cinzeiro atingiu a cabeça de um manifestante que foi parar no hospital.

Sem que ninguém arredasse o pé, a manifestação avançava a madrugada. Receosos de sair, os convidados permaneciam dentro do hotel. Até que a tropa de choque do então governador Cabral resolveu atacar e, como sempre, com muito violência. Os manifestantes dispersavam-se e logo se reagrupavam. Alguém gritou que os convidados do casamento de luxo estavam saindo pela avenida Nossa Senhora de Copacabana, os fundos do hotel. Fui para lá também. Quando alguns convidados começaram a nos insultar, fui ofendido e retruquei no mesmo diapasão. Até que, por um descuido, recebi pelas costas um forte tapa na cara e vi o agressor correndo para dentro do hotel. Entrei no Copacabana Palace atrás dele, mas os seguranças me enganaram e deram cobertura ao agressor, que desapareceu no meio dos mil convidados daquele casamento avaliado em um milhão.

Agora, com a prisão do pai da noiva, Jacob Barata, filho do “Rei do Ônibus”, e um dos maiores empresários do ramo, foi descoberto como aumentavam os preços das nossas passagens, o que não mudou de lá para cá: pagando milhões ao ex-governador Sérgio Cabral e todos de seu esquema. O casamento da “Dona Baratinha” foi muito barato. Para quem vende 8 milhões de passagens por dia e fatura mais de 20 milhões por dia, um casamento que custou um milhão não passa de uma gorjeta.

A Marcha da Maconha é a única manifestação em que um tapa é sempre bem vindo! O Código Penal trata o tapa como uma injúria real, um crime contra a honra. Mas esse tapa que levei não foi desonroso, pois faz parte da luta, ainda mais agora, que todos sabemos como são reajustadas nossas passagens. Não acho que a prisão do Barata, pai da noiva Baratinha, irá resolver, nem melhorar a situação. O melhor mesmo seria que as passagens fossem imediatamente reduzidas, pois essas deveriam custar menos de dois reais, caso fossem reajustadas segundo os índices inflacionários. A melhor pena para esses porcos capitalistas chamados de empresários seria a perda dos bens. A FETRANSPOR, por sua vez, deveria ser fechada, pois não passa de um cartel de criminosos estelionatários com enorme poder econômico. Aquela madrugada foi sensacional e tenho imenso orgulho de ter ajudado a acabar com a farsa daquele casamento milionário!

Revisão Marta Bonimond

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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