LEGALIZAÇÃO DAS BOCAS DE FUMO

Fotografia tirada de cima para baixo que mostra uma porção de maconha prensada em um pedaço de plástico verde sobre a mão de uma pessoa da qual pode-se ver parte do corpo, próxima a outra que segura um baseado.

Se o Brasil legalizar a maconha, muito coffee shop vai surgir por aí. Mas e nos morros, o fumo legal poderá ser vendido? O advogado e ativista, André Barros, usa o tema para falar um pouco da história que une maconha, escravidão, favelas cariocas e, claro , o preconceito racial e contra a planta. Entenda mais abaixo.

Escrevo este texto diante de uma futura injustiça que poderá acontecer com a legalização: a proibição da venda de maconha nos morros e favelas, nas comunidades! Em muitos lugares, onde vivem há décadas ou séculos os negros no Rio de Janeiro, vende-se maconha e por isso, ao que tudo indica, esta é a razão ligando o fumo à maconha: “Boca de Fumo”.

A cocaína só entrou nos morros nos idos de 1980. Era produzida pelo laboratório farmacêutico Merck e vendida como remédio para dor de dente, depressão e outros transtornos desde o século XIX na Europa. No Brasil, desde a década de 1920, um remédio caro, era consumida pela elite de forma recreativa em canudos de ouro e era considerada chique. Sigmund Freud, o pai da psicanálise, cheirou, receitou e viveu nesta época.

Até a década de 1980, só se vendia maconha nos morros por poucas pessoas, armadas de revólver, com um saco cheio de cartuchos, mutucas ou dólas, como eram chamados os pequenos embrulhos com maconha. A classe média branca só vai começar a fumar maconha nos idos de 1960, mas vai comprar no asfalto, escola ou faculdade, dificilmente se arriscava a subir o morro. A maconha, há décadas ou séculos, sempre foi vendida e comprada nos morros pelos negros, sua proibição é racista. Mas como os negros são pobres, a discriminação contra a maconha também é classista.

Se as sementes de maconha foram trazidas pelos negros, degredados da África, nos navios negreiros em bonecas de pano ou pelos portugueses para fazer velas e cordas para suas caravelas, não é a questão fundamental. Interessa mesmo é que o hábito de fumar o pito do pango, a liamba ou o fumo de Angola foi trazido pelos negros escravizados no Brasil.

Mas nem todos foram escravizados, pois onde existia a escravidão surgiram os quilombos, lugar para onde os negros fugiram, conquistaram, lutaram e conseguiram sua liberdade. Edison Cordeiro escreveu em “O Quilombo dos Palmares: “E, nos momentos de tristeza, de banzo, de saudade da África, os negros tinham ali à mão a liamba, de cuja inflorescência retiravam a maconha, que pitavam por um cachimbo de barro montado sobre um longo canudo de taquari atravessando uma cabaça de água onde o fumo esfriava. (Os holandeses diziam que esses cachimbos eram feitos com os cocos das palmeiras.) Era o fumo de Angola, a planta que dava sonhos maravilhosos.” No Rio de Janeiro, no século XVIII, existiam quilombos nas florestas do Andaraí e da Tijuca, na Lagoa Rodrigo de Freitas, em Inhaúma, Irajá, Engenho Velho e em diversas outras partes da cidade. Hoje, nestes mesmos lugares estão as favelas e muitas delas foram quilombos.

Neste processo de legalização da maconha que vem acontecendo no mundo, em cada lugar ela traz uma história. Os Coffee Shops na Holanda existem há séculos, onde hoje a venda da maconha é permitida. No capitalismo americano, o mercado da maconha vem apresentando grande faturamento. Na Espanha, a brecha das cooperativas conquistou o consumo coletivo da planta. No Uruguai, um presidente e uma coligação de partidos de esquerda, apoiando os ativistas da maconha, estatizaram a planta.

O Brasil precisa respeitar a história de resistência dos negros com a maconha. Será uma enorme injustiça, com a legalização do consumo, que o fumo de Angola não possa ser vendido onde sempre foi consumido, onde vivem os negros. Ainda mais agora, que sabemos tratar-se de um mercado de toneladas e de milhões, que podem ser vendidos legalmente e sem armas e o lucro ficar nas comunidades para reduzir a nossa brutal desigualdade social e erradicar, por exemplo, a falta praticamente total de saneamento básico nas favelas.

A planta não é do mercado, nem do Estado, a maconha é comum. A nossa luta é para que ela seja de todas e de todos!

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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