Juiz absolve usuário que cultivava maconha para consumo próprio

Fotografia em ponto de vista superior que mostra um martelo utilizado por juízes na cor de madeira, próximo a algumas flores de maconha na cor verde sobre uma superfície lisa e branca. Drogas.

Um ano repleto de prisões de cultivadores, que optaram por plantar a própria maconha afim de se desvincular do tráfico, chega ao fim com uma boa notícia.  O caso é de um morador do Alto da Boavista, no Rio de Janeiro. Defendido pelo advogado André Barros e julgado por um juiz que é contra a atual política de drogas, o usuário preso com 19 pés de maconha foi absolvido. Saiba mais sobre no texto de Marcelo Rubens Paiva, para o Estadão.

Num caso que tem se espalhado pelo Brasil, o de usuários-maconheiros que importam sementes, plantam em suas casas em estufas improvisadas, para fugirem da engrenagem do tráfico de drogas, e que é enquadrado como tráfico se pego pela polícia, mesmo que não ocorra a comercialização, dessa vez o réu RAFAEL preso em flagrante com 19 pés de maconha foi absolvido.

Jurisprudência?

A sorte do réu começou quando o caso caiu na 43ª Vara, do juiz titular, Rubens Roberto Rebello Casara.

Ele é um especialista e coordena a revista da EMERJ [Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro], cuja edição de outubro/novembro/dezembro de 2013 promoveu o seminário “Drogas – dos Perigos da Proibição à Necessidade de Legalização”.

Nela, Casara publicou sua palestra, um artigo de oito páginas: Convenções da ONU e Leis Internas sobre Drogas Ilícitas: Violações à Razão e às Normas Fundamentais.

Que começa com: “O proibicionismo [das drogas] atenta contra o ideal de vida digna para todos, na medida em que amplia a violência do sistema penal, reforça a crença no uso da força e da repressão para resolver os mais variados problemas sociais, propicia a corrupção de agentes estatais e não reduz os danos do consumo abusivo de drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas.”

Em sentença histórica, o juiz da 43ª Vara Criminal decidiu, na semana passada, segundo emporiododireito.com.br:

Encerrada a instrução criminal, não há qualquer elemento probatório sério a apontar que o material encontrado na casa do réu era destinado ao comércio ilícito de drogas (nesse sentido, o depoimento de Francisco, porteiro do prédio em que a droga foi encontrada, é importante: não só pelo que relatou como também pela ausência de menção à presença de potenciais compradores no apartamento de Rafael). Aliás, para além de algumas conjecturas (apresentadas sem suporte firme em dados concretos) e dos “discursos de fundamentação prévia” (chavões e elementos discursivos marcados pelo “senso comum”, que demoniza qualquer acontecimento ligado às drogas etiquetadas de ilícitas), incompatíveis com a dimensão probatória que se extrai do princípio da presunção de inocência (retratada na máxima in dubio pro reo: ou seja, que diante da ausência de elementos probatórios firmes, deve-se sempre optar pela versão mais favorável ao réu), nada está a indicar que os exemplares vegetais cultivados por Rafael (que, desde a fase preliminar, sempre afirmou que o cultivo era destinado ao seu próprio consumo, inclusive com finalidade terapêutica) e apreendidos pelos agentes da persecução penal eram voltados (ou mesmo aptos) ao comércio de drogas ilícitas (frise-se, aqui, o caráter arbitrário da divisão entre droga “lícitas” e “ilícitas”, ambas prejudiciais à saúde individual daqueles que optam por consumir essas substâncias).

Dito isso, impõe-se reconhecer, desse já, que não há prova adequada ao reconhecimento da hipótese descrita na denúncia. Importante lembrar, ainda, que a única parcela do material apreendido própria para o consumo não ultrapassava 41, 60 gramas de “maconha”, quantidade insuficiente para sugerir que essa droga era destinada ao comércio ou à obtenção de lucro. De igual sorte, ao contrário do argumentado pelo Ministério Público, a existência de um “tecnológico maquinário destinado à fabricação de entorpecentes” (fl. 171) não é indicativo de comércio, mas tão-somente de cultivo e produção. Em matéria penal, por evidente, não se pode presumir contra o indivíduo.

Mas, não é só.

De fato, como alerta a combativa defesa técnica, os órgãos encarregados da persecução penal fracassaram no ônus de demonstrar (alguns diriam, “carga probatória” atribuída à acusação) que os exemplares vegetais apreendidos (dezenove pés crescidos e quarenta e cinco mudas) possuíam tetrahidrocanabinol ou que fossem viáveis ao consumo (aptos a produzir o efeito entorpecente). Assim, diante dos elementos trazidos aos autos, não há como afirmar a violação do bem jurídico protegido pela norma penal que se extrai do artigo 33 da Lei no 11.343/06.

Impossível, diante da ausência de prova técnica adequada, excluir a incidência do artigo 28, § 1o, da Lei no 11.343/06 no caso em exame. Dito de outra forma: em razão da ausência de prova técnica, impossível afirmar que, no caso em exame, o acusado produziria “pequena” ou “grande” quantidade de drogas etiquetadas de ilícitas.

Registre-se, também, a inadequação da afirmação contida na denúncia de que as plantas apreendidas eram “matéria-prima para preparação de drogas”, uma vez que “matéria prima”, por definição, são, além dos bens que se integram ao produto novo, aqueles que sofrem desgaste ou perda de propriedade, em função de ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação, ou proveniente de ação exercida diretamente pelo bem em industrialização e desde que não correspondam a bens do ativo permanente. Assim, se é verdade que a folha de coca é matéria-prima para a fabricação de cocaína, a planta Cannabis Sativa não é matéria-prima à fabricação da droga vulgarmente conhecida como “maconha”.

Ademais, viola o princípio da proporcionalidade punir com pena privativa de liberdade um indivíduo que, para fugir dos riscos gerados tanto pela “indústria da ilegalidade” quanto pela opção política que aposta no modelo bélico de enfrentamento de um problema que é, na realidade, de saúde pública, opta por cultivar a substância que pretende usar.

Por todo o exposto, e também por força do princípio da correlação/congruência entre acusação e sentença, que impede a inovação judicial acerca dos fatos descritos na denúncia, julgo improcedente o pedido contido na denúncia para absolver RAFAEL com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Sem custas.

Após o trânsito em julgado, proceda-se à destruição a substância apreendida, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
P.R.I.
Rio de Janeiro, 15/12/2015.
Rubens Roberto Rebello Casara – Juiz Titular

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