Já é Ano Novo (mas só na Califórnia)

O ano começou com excelentes mudanças para a indústria mundial de maconha e locais como Califórnia e Canadá se preparam para o florescimento de um novo mercado legal que crescerá, e muito, pelos próximos anos. Enquanto isso no Brasil, a história é a mesma de sempre e o país parece que novamente será o último a evoluir suas retrógradas leis. Saiba mais sobre o tema no artigo de Denis Russo Burgierman, para o Nexo.

Com a legalização da maconha, esta semana, o principal estado americano sai em vantagem na disputa pela indústria que mais vai crescer na próxima década. Como de hábito, o Brasil vai ficar de fora.

Segunda-feira, a Califórnia legalizou a maconha. Quatrocentas lojas já estão licenciadas para vender a erva e uma infinidade de produtos feitos dela para qualquer um que mostrar um documento provando que tem ao menos 21 anos – o mesmo que se exige de alguém que queira comprar uma cerveja.

A notícia nem foi dada com muito destaque por aí, porque ela é um passo a mais no lento processo de legalização da maconha nos Estados Unidos, que vem ocorrendo gradualmente há mais de 20 anos, desde que a mesma Califórnia legalizou o uso medicinal, em 1996. Hoje, a grande maioria dos estados americanos – 29 dos 50, fora o distrito de Columbia, onde fica a capital federal – permite o uso medicinal. E o número de estados que regulamentou a droga, não só para pacientes mas para qualquer adulto, não para de crescer – Colorado, Washington, Oregon, Alaska e Nevada já tinham dado esse passo antes da Califórnia, e Maine e Massachusetts serão os próximos, provavelmente ainda em 2018.

Dito assim, parece que o que aconteceu esta semana nem é tão importante assim. Só que é – e muito. E não só para quem usa maconha – por razões médicas ou sociais –, e nem só para os americanos. A legalização da Califórnia torna o processo praticamente irreversível e cria um novo mercado bilionário na economia mundial.

É que a Califórnia é enorme. Com 40 milhões de habitantes, é de longe o principal estado americano, e sua economia é maior do que a de qualquer país do mundo, com a exceção de cinco (EUA, China, Japão, Alemanha e Reino Unido). Ela sozinha tem mais que o dobro da população e da economia de todos os estados americanos que legalizaram a maconha antes, somados. Ou seja: no dia 1 de janeiro de 2018, a indústria da maconha deixou de ser uma curiosidade limitada a alguns cantos obscuros do mundo para se tornar uma realidade praticamente irreversível.

A regulamentação da droga nos EUA tem sido um sucesso evidente. O uso não cresceu significativamente, os estados passaram a arrecadar centenas de milhões em impostos e a fiscalização diminuiu claramente os efeitos nocivos da maconha. Com isso, 64% dos americanos já são a favor da legalização – uma maioria tanto entre os democratas quanto entre os republicanos. Tudo isso leva a crer que mais e mais estados vão seguir os passos da Califórnia nos próximos anos, ainda mais porque agora as campanhas pela legalização serão financiadas por uma indústria bilionária.

E não é só nos Estados Unidos. Ainda este ano, possivelmente em julho, um outro território tão populoso quanto a Califórnia e quase tão rico – o Canadá – deve seguir o mesmo caminho. Assim como a Califórnia não foi o primeiro estado americano a legalizar, o Canadá não será o primeiro país – a honra coube aos nossos corajosos vizinhos do sul, os uruguaios. Só que no Canadá cabem dez Uruguais, em termos de população (ou quase 30, se estivermos falando do tamanho da economia).

A entrada dos gigantes Califórnia e Canadá no jogo, em 2018, muda profundamente a natureza dele. O mercado legal de maconha, que na década passada nem existia e em 2014 movimentava uns US$ 4 bilhões, praticamente tudo nos EUA, deve terminar 2018 valendo uns US$ 12 bilhões. Daqui a apenas quatro anos, ao final de 2021, segundo cálculos da Arcview, uma consultoria especializada, ele deve estar circulando quase US$ 25 bilhões de dólares por ano só na América do Norte.

Significa um crescimento constante de mais de 30% ao ano, por vários anos – uma enormidade, muita gente vai enriquecer, muita empresa vai abrir, muita oportunidade vai aparecer, muita região degradada vai se recuperar. Junte a isso a legalização da maconha medicinal em boa parte dos países avançados do mundo e você tem uma boa dica de qual será a indústria que mais vai crescer no mundo nos próximos anos. “O início do sistema de maconha medicinal na Alemanha, com sua população de 82 milhões de pessoas, basta para fazer da cannabis legal a categoria de produtos que mais vai crescer globalmente”, afirma o último relatório da Arcview, lançado no mês passado.

Na verdade não é bem que o mercado de maconha vai crescer – ele vai mudar de mãos. Hoje é dominado por bandidos, na próxima década boa parte dele será conquistada por empreendedores que pagam impostos e empregam gente sem matar ninguém. Isso já começou a acontecer. No Colorado, o primeiro estado americano a legalizar, em 2014, os traficantes ilegais hoje só têm acesso a pouco mais de 20% das receitas da maconha, número que está diminuindo ano após ano. Ou seja, enquanto os empreendedores enriquecem e o Estado arrecada fortunas em novos impostos, o crime organizado está perdendo dinheiro – e portanto está perdendo poder.

Com tudo isso na conta, é evidente que os países mais inovadores do mundo estão rapidamente se preparando para mudar suas leis e legalizar pelo menos parte do mercado de maconha. É o caso da Alemanha, da Espanha, da Itália, da Austrália, de Israel. Aqui na América do Sul, além do Uruguai, Chile e Colômbia já regulamentaram um mercado pujante de maconha medicinal.

Já o Brasil, não perde uma oportunidade de perder uma oportunidade. Mais uma vez, vamos ficando de fora de um setor pujante e competitivo num mercado inovativo. A atuação da quadrilha que controla o governo federal tem sido patética. Osmar Terra, que ironicamente é ministro do Desenvolvimento Agrário, está fazendo lobby por uma “nova” política de drogas, que parece um remake da política americana de 50 anos atrás, baseada na ideia ultrapassada de pregar abstinência. A maconha medicinal, cuja validade científica é inegável, segue sem poder ser produzida em solo brasileiro. As indústrias farmacêuticas dos Estados Unidos e do Canadá, países bem menos agraciados com terras férteis e clima favorável que o nosso, agradecem. Quem agradece também é o PCC (Primeiro Comando da Capital), que está assumindo o controle da produção de maconha no Paraguai e lentamente vai conquistando o monopólio da droga no país, sem pagar um centavo de imposto.

O governo do MDB gosta de posar de defensor dos empreendedores. É mentira. O que ele defende são as oligarquias ligadas à produção de commodities, que empregam pouquíssimo, geram quase nenhum valor agregado e causam imensa degradação ambiental e tensão social. De resto, faz de tudo para evitar inovação e qualquer oportunidade para quem já não esteja por cima. Por aqui, não tem Ano Novo: seguimos encalhados no século 20. Rumo ao 19.

Denis Russo Burgierman  é jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010. Escreve quinzenalmente para o Nexo, às sextas-feiras, sobre a vida e suas complexidades.

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