Guerra às Drogas: Drauzio Varella, FHC e Ilona Szabó opinam sobre como enfrentar o problema

Em debate sobre a descriminalização das drogas promovido por Revista ÉPOCA, Fernando Henrique Cardoso, Drauzio Varella e Ilona Szabó opinam sobre a guerra às drogas no Brasil e quais medidas favoráveis para mudar esse cenário.

“A droga no Brasil já é livre na mão do traficante”, afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele participou do debate sobre a liberação das drogas promovido por ÉPOCA, editora Zahar, Instituto Igarapé e a Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). O evento marca o lançamento do livro “Drogas: as histórias que não te contaram”, de Ilona Szabó. A autora debateu com FHC e o médico Drauzio Varella, sob mediação de João Gabriel de Lima, diretor de Redação de ÉPOCA.

Para contar por que abraçou a causa da descriminalização das drogas, FHC lembrou de sua Presidência. Disse que assumiu o Palácio do Planalto com a intenção tradicional de acabar com as drogas, pela via do confronto. “Fizemos ações em várias partes do país, no Polígono da Maconha”, afirma. Mas, segundo ele, o esforço, por maior que fosse, não trazia os resultados esperados. O problema continuava. FHC contou que, participando mais de perto de discussões internacionais sobre o assunto, foi percebendo que havia outras abordagens sendo propostas. FHC citou os Estados Unidos, país que travou uma guerra às drogas durante várias décadas e que nos últimos anos passou a incorporar outras iniciativas. Vários estados americanos liberaram a maconha para uso medicinal e alguns até para fins recreativos. “O proibicionismo não vai funcionar”, diz.

FHC destacou que não se trata de uma liberação descontrolada. “Não é legalizar. É regulamentar. O que pode, o que não pode e em quais posições. É não colocar como criminoso o usuário de drogas”, explica. Sobre o caminho político para esse tipo de proposta caminhar no Brasil, FHC sugere que acredita mais na via da Justiça que do Legislativo. “O Congresso é reticente. Diz que o povo é conservador. O Supremo [Tribunal Federal], como não tem de responder a questões eleitorais, pode ter posições mais controversas”, afirma FHC.

Drauzio Varella descreveu o que acontece quando os países tratam da mesma forma o traficante e o consumidor. Segundo ele, no Brasil, boa parte dos presos é usuária de drogas, porém são julgados como traficantes. Drauzio trabalhou no presídio Carandiru. Contou como aprendeu na Suécia os limites de qualquer política em controlar as drogas na cadeia. Ele lembrou que conheceu uma cadeia especial em Estocolmo, para onde iam os presos com melhor comportamento. Era uma prisão para cerca de 50 detentos, com aulas práticas como marcenaria, onde eles tinham condições melhores para ressocialização. Nessa cadeia, lembra Drauzio, as autoridades suecas realizavam testes diários para checar o consumo de drogas pelos encarcerados. Mesmo naquele lugar, com frequência, as substâncias proibidas acabavam sendo apreendidas. Se mesmo naquela cadeia tão pequena e para os detentos com melhor comportamento era impossível erradicar as drogas, qual é a chance de fazer isso nos presídios superlotados do Brasil, perguntou Drauzio. “É impossível você ter uma cadeia sem drogas. Imagine as prisões brasileiras, que são superlotadas e sem condições de fiscalização”, afirmou.

Para Drauzio, é importante começar diferenciando as substâncias em questão. “Não gosto de chamar de ‘drogas’. Uma coisa é maconha. Outra é cocaína ou heroína. Cada uma tem uma capacidade diferente da outra. Causam compulsões diferentes. Não dá para tratar todas do mesmo jeito”, diz. Segundo o médico, a discussão deve começar com a maconha, pela popularidade e pelas características de uso. “Acho que uma postura é começar com a maconha, que é a droga mais utilizada”, afirma. Nesse caso, ele sugere limites legais mais razoáveis. “Não adianta dizer que a partir de 5 gramas de maconha a pessoa já é um traficante.”

A pesquisadora Ilona Szabó ponderou que o imaginário social de que todo usuário de drogas interrompe o uso por meio da abstinência é irreal. “Conheci usuários de drogas que injetavam heroína e continuavam trabalhando normalmente. Como aliviar as condições dessas pessoas? Precisamos discutir isso.” Em seu livro, Ilona trata justamente da situação dos usuários de drogas. Ela coordenou a campanha do desarmamento nos anos 2000, depois assumiu a Comissão Global de Política sobre Drogas e, desde 2011, lidera o Instituto Igarapé, centro de estudos de políticas públicas que ajudou a fundar.

Na maioria dos casos, diz Ilona, as pessoas que estão presas como usuárias de drogas não têm recursos para pagar um advogado. Segundo a pesquisadora, essa é uma lógica perversa que existe no país. “Uma política de drogas moderna tem de ser realista. Prevenir e retardar o uso e o abuso de drogas. Se a gente só olhar para a proibição, estaremos tapando o sol com a peneira. É preciso coragem para colocar políticas públicas responsáveis”, diz.

O debate sobre drogas na Faap – Da esquerda para a direita: João Gabriel de Lima, diretor de Redação de ÉPOCA, Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente, Ilona Szabó, escritora, e Drauzio Varella, médico (Foto: Emiliano Capozoli/ÉPOCA)

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