Guerra da desinformação – Nada é por acaso

O Senado Federal divulgou peças com informações falsas sobre os supostos malefícios da maconha e outras drogas, causando revolta na internet. Após dias recebendo críticas, a Secretaria de Comunicação Social do Senado retirou a peça contra a erva das mídias sociais. Saiba mais sobre o ocorrido e entenda por uma análise crítica o que a desinformação pode causar, no texto do jornalista Gabriel de Lúcia Murga.

Uma postagem feita na última semana na página do Senado Federal, como parte da Semana Nacional Antidrogas (entre 19 e 26 de junho) sobre supostos malefícios da Maconha e de outras drogas, é uma prova de como a desinformação feita com propósito de requentar mitos sem sentido é um dos principais obstáculos para uma nova política de drogas, uma que não tenha a hipocrisia como principal direção.

Esse fato beira a surrealidade, levando em conta uma única operação dita de ‘segurança pública’ realizada na Maré na última semana, onde sete pessoas foram assassinadas pelas forças de segurança, entre elas o estudante Marcos Vinicius, de 14 anos, executado com seu uniforme de estudante da rede municipal do Rio de Janeiro. Marcos Vinicius queria ser MC, então peço que prestem atenção e lembrem-se sempre que essa vida retirada é parte de uma escolha do Estado. Assim como a postagem do Senado Federal que coloca como “fato” que um dos efeitos colaterais do uso da Maconha é a morte.

As operações extremamente militarizadas e com escassez de qualquer estratégia de inteligência, em especial, nos casos de operações-vingança, como foi o caso desta flagrante incompetência da ‘segurança pública’, são uma escolha, uma opção, uma ‘tática”. Algo decidido e autorizado. O estado é o responsável pelo assassinato destas pessoas, filhos, pais, mães e irmãs que morrem numa guerra cujo o interesse é inexplicável. Os policias que são assassinados nesta patética retórica de “estarem lutando contra as drogas” tomam as páginas ao longo dos dias, causam tristeza e revolta, luto e sofrimento aos que ficam.

Quantos quilos de maconha valem as lágrimas dos pais, mães e filhos que ficam?
Ao apreender trezentos cartuchos de munição numa operação em que sete vidas foram levadas, quanto sangue tem nestas balas que ainda não foram disparadas? Como se tira o sangue das mãos de quem vai a uma rede de televisão e avisa que “Não adianta colocar no Facebook que criança foi baleada”. Isso é apologia ao crime. Ele será responsabilizado por suas declarações?

Onde os dois pontos se tocam?

A guerra às drogas é uma escolha, uma decisão. O estado e as pessoas a frente dele devem ser responsáveis, não só pelas ações que causam sofrimento físico, mas também por aquelas que causam o sofrimento mental à população. Quem decide sobre uma família não poder plantar em casa um remédio, que reduz 200 convulsões por dia de seu filho? Um filho que após o tratamento passa a conseguir sorrir e brincar.

Em uma das audiências públicas sobre o tema, os senadores presentes em sua maioria homens brancos, acima de 50 anos, não conseguiram sequer assistir um vídeo, onde uma criança sofria com crises convulsivas, que foram reduzidas com uma substância à base de maconha. Um dos excelentíssimos presentes disse que se preocupava com a sua neta, que pudesse se tornar uma ‘viciada’ em maconha. Você acha que ele se importa com sua dor? Pros donos do Brasil é apenas outra mancha na camisa da escola pública ou privada.

Quando se permite que se poste numa rede que impacta milhões de pessoas uma desinformação sobre maconha. Quando uma família é proibida de tentar uma alternativa para que um dos seus sinta menos dor. Quando se autoriza uma operação cujos objetivos são inúteis e se tem certeza de que vidas serão retiradas e alguma mãe irá chorar por semanas. Seja em cima da farda ou do uniforme.

São ‘erros’ propositais e estrategicamente delineados para que se pareçam acaso. Vai ser uma “caça” disse o comentarista de insegurança. Estamos sendo avisados pela televisão. São pessoas, direitos, liberdades, sonhos e futuros sendo caçados todos os dias.

Nada é por acaso. Precisamos agir.

Abaixo a peça original do Senado Federal e na sequência a que surgiu satirizando a desinformação do post realizado pela instituição.

Desinformação: mentiras sobre a maconha.

#PraCegoVer: fundo preto e fotografia de uma flor de maconha sob o texto “Os males causados pela maconha. Possíveis efeitos imediatos: dificuldade de pensar, falta de coordenação motora, alucinações, agressividade e morte. Possíveis efeitos do uso continuado: doenças cardiológicas, doenças pulmonares, câncer, falta de motivação, perda da memória, morte, em indivíduos com predisposição, desencadeamento de doenças como psicose e esquizofrenia. Semana Nacional Antidrogas”.

 

Menos desinformação, mais legalização.

#PraCegoVer: fundo preto e fotografia de uma flor de maconha sob o texto “O que de fato é causado pela maconha.  Possíveis efeitos imediatos: vontade de ouvir reggae, ataques de riso, desejo de comer pastel com geleia, necessidade de fazer artesanato com durepóxi. Efeitos de sua proibição: encarceramento em massa, massacre de populações pobres, falta de controle sobre as taxas de canabinoides, hipocrisia governamental. Legaliza já, Senado!”.

Sobre a campanha

As peças veiculadas durante a Semana Nacional Antidrogas foram apresentadas pelo Senado através de suas mídias sociais (Facebook e Twitter) a título de utilidade pública. Expostos entre os dias 19 e 26 de junho, os posts dentro da Semana Nacional Antidrogas mostram os supostos malefícios de várias drogas, tais como álcool, crack, cocaína, ecstasy, tabaco e maconha. Segundo o Senado, a instituição buscou apoio em material preparado pela Academia Nacional da Polícia Federal, disponível na página de perguntas e respostas sobre drogas daquele órgão, sendo a PF, portanto, a fonte dos dados apresentados nos posts: http://www.pf.gov.br/…/…/perguntas-e-respostas-sobre-drogas…

Diante da grande repercussão e polêmica geradas pelo post sobre a maconha, a Secretaria de Comunicação Social do Senado, responsável pelo Facebook e pelo Twitter da instituição, optou pela sua retirada das redes sociais. Sobre as outras drogas, o conteúdo ainda está no ar como você pode conferir, mas ainda há desinformação sobre outras substâncias. O Brasil precisa investir numa política de saúde pública e redução de danos com relação a todas às drogas sejam elas lícitas ou ilícitas.

#ChegadeGuerra #Normalize

Revisão/Colaboração: Letícia Semeraro.

Leia também: Para a proteção da sua família devemos regulamentar a maconha

#PraCegoVer: ilustração de capa da peça que satiriza a original postada pelo Senado Federal.

mm

Sobre Gabriel De Lucia Murga

Assessor de imprensa, relações públicas e jornalista freelancer formado pela UERJ. Já trabalhou na Folha de São Paulo, no jornal Lance!, na assessoria de imprensa da Árvore de Natal da Bradesco Seguros (entre 2012 e 2014) e no escritório brasileiro da Anistia Internacional (entre 2016 e 2018). Colabora regularmente para a Smoke Buddies e Socialista Morena. Já colaborou com a revista Cáñamo na Espanha e no Chile, a Diga Communications UK, o Prêmio Gilberto Velho Mídia e Drogas 2017, entre outras organizações públicas e privadas. Lançou seu primeiro livro em 2018, "Brisas" pela Autografia Editora, e seu primeiro trabalho como compositor de música brasileira, o EP "77 Rotações". Contato, críticas e sugestões em: gabrieldeluciamurga@gmail.com
Deixe seu comentário
Assine a nossa newsletter e receba as melhores matérias diretamente no seu email!