Famílias ainda lutam na Justiça para obterem tratamento à base de maconha

Uma das decisões mais recentes da Justiça do DF autorizou a uma família brasiliense o cultivo de maconha  para o tratamento de uma garota de 16 anos. Mas para muitas famílias conseguir o medicamento ainda é uma via-crúcis e nem mesmo a lei pôs fim a este calvário. Saiba mais no artigo do Correio Braziliense.

Patrícia Filgueira, Eliana Distrett e Lídia Rosa: mobilizadas pela melhoria da qualidade de vida dos filhos por meio do uso do canabidiol

Elas são mães que vivem encurraladas. Lutam na Justiça contra o tempo, enfrentam as adversidades das doenças dos filhos e driblam outras tantas dificuldades. Estão unidas pelo mesmo remédio. O protagonismo das seringas de canabidiol (CBD) — droga à base do extrato da maconha — define vida ou morte. A peleja de Patrícia Filgueira, 37 anos, Eliana Distretti, 40, e Lídia Rosa, 34, tem quase dois anos. Nem mesmo a lei pôs fim ao calvário. Norma aprovada pela Câmara Legislativa, em dezembro de 2015, segue sem implementação. Com isso, o medicamento não é disponibilizado pela Secretaria de Saúde.

Nos próximos meses, essas mulheres acirrarão a briga por seus direitos. A ideia é pedir a liberação do plantio da erva para uso medicinal à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Se não der certo, recorrerão à Justiça. Além disso, cobrarão da Secretaria de Saúde a normalização da compra dos remédios e mobilizarão o Executivo local para o integral cumprimento da legislação. Da iniciativa, deve nascer uma associação de mães. São pelo menos 40 nessa situação.

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As estatísticas desses casos são escassas. Os poucos dados da Secretaria de Saúde mostram um aumento das famílias que, judicialmente, conseguiram receber o medicamento. Em 2014, três ganharam o direito. Hoje, são 13. No Brasil, os pedidos de importação de canabidiol no mesmo período cresceram 150% — passaram de 368 para 921, segundo a Anvisa. Mais de 2 mil pessoas obtiveram a autorização. “Os números se referem às importações desses produtos, que não têm registro”, resumiu o órgão, em nota. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) não sabe quantos processos relacionados ao assunto estão em tramitação. Sem alternativas, muitas mães no DF partiram para a importação ilegal ou para o plantio clandestino.

No começo do mês, Patrícia, Eliana e Lídia acompanharam a audiência no TJDFT que autorizou uma família da capital federal a cultivar pés de maconha em casa. Da planta, a família extrai uma substância utilizada para produzir um medicamento capaz de tratar uma adolescente, de 16 anos, com comprometimento cognitivo. A decisão, até então inédita no DF, emocionou Lídia. Ela chorou durante o julgamento. Viu no tribunal a repetição de sua história com outros personagens. “A gente se compadece por saber o que eles passam, por conhecer a dor de não dormir de preocupação”, explica.

O filho de Lídia, Uriel, de 1 ano e 10 meses, sofre de uma doença neurometabólica. “O meu filho, hoje, mexe os braços e abre os olhos, apesar de viver no home care. Sem o canabidiol, não teria nenhuma dessas reações”, detalha a moradora de Ceilândia. Há um ano, a Justiça determinou que a Secretaria de Saúde disponibilizasse as seringas para a criança. Somente no último mês, Lídia conseguiu as primeiras doses. “A grande verdade é que ninguém se importa com a situação de quem precisa desse tipo de medicamento. Ninguém ponderou que a falta, para muita gente, representa a morte”, critica.

Incerteza

Sabrina Filgueira, 11, corre, fala e estuda normalmente. É muito para quem tem epilepsia grave e autismo. Desde maio de 2014, a Justiça garantiu o tratamento com CBD — a primeira decisão que obrigou a Secretaria de Saúde a comprar o remédio. “Nem sempre as seringas estão disponíveis. Falta para dois, três meses. O medo é o retrocesso e a morte. Quem viu um filho passar por uma crise sabe como é doído”, conta Patrícia, mãe da menina, que também tem epilepsia.

Sentada num sofá simples, Patrícia continua a desabafar. “Toda mãe que tem um filho nessas condições vive na incerteza. É a decisão judicial que é descumprida, o remédio acabando em casa e a incerteza falando mais alto”, completa. Com ela, está Eliana e a filha Vitória, 8, que tem o mesmo diagnóstico de Sabrina. “A nossa insegurança é ancorada no desgaste que passamos. As pessoas nos olham com estranheza, têm preconceito, nos tratam com descaso”, lamenta a moradora do Riacho Fundo 1.

As mães destacam a diminuição da quantidade de crises convulsivas. Sabrina chegou a ter 60 em um dia. Vitória teve 200. “Nada é melhor do que ver o filho brincando, indo à escola e fazendo amigos. A nossa angústia é que, até hoje, nenhuma solução efetiva foi tomada. Não temos nada que garanta o tratamento. Daqui a três meses, por exemplo, quando o remédio da Vitória acabar, eu terei de iniciar todo o processo novamente”, reclama Eliana.

Cultivo na Paraíba

A Justiça Federal na Paraíba autorizou, em maio, a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), em João Pessoa, plantar e manipular maconha para fins exclusivamente medicinais. A autorização surgiu por meio de uma liminar até a obtenção da resposta definitiva da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A permissão é destinada para atender 151 pacientes.

Menos prejudicial

A maconha tem cerca de 400 compostos conhecidos como canabinoides. Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Holanda, França, Espanha, Itália, Suíça, Israel e Austrália são países em que o uso medicinal dessas substâncias é permitido. Algumas enfermidades tratadas com esses derivados são epilepsia, convulsões, dores crônicas, síndromes neurológicas e metabólicas e sintomas de câncer e até mesmo a Aids. De acordo com estudos mais recentes, a utilização dessas substâncias acaba sendo menos severa do que a dos medicamentos convencionais. Os casos analisados até agora mostram que o canabidiol proporciona alterações mentais, propriedades antipsicóticas e ansiolíticas.

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