ExpoCannabis – Uma feira de maconha pelo ponto de vista de um Agente da Lei

ExpoCannabis Uruguai

ExpoCannabis Uruguai! A primeira feira de maconha regulamentada no Uruguai

Diego Ferreira¹ relata  a experiência surreal de participar da ExpoCannabis, a primeira feira de maconha regulamentada no Uruguai. O evento ocorreu nos dias 14 e 15 de dezembro em Montevidéu.

Ao chegar na frente ao LATU, Laboratório Tecnológico de Montevidéu, já pude perceber que o evento, ExpoCannabis, era muito sério e responsável, não havia carros de polícia, policiais, nem segurança privada. Não havia tumulto, nem jovens (era proibida a entrada de menores de 18 anos).

Como pude notar havia muitos senhores e senhoras de mais idade, com objetivo de conhecer a planta, bem como no âmbito dos negócios. Logo na entrada da feira tinha exposto um museu sobre o Cãnhamo e a Cannabis (Hash Marihuana e Hemp Museum – Amsterndam e Barcelona), objetos, fotos, artigos e informações sobre a história, cultura e a política fracassada de proibição. Após apreciar o museu, se passava para a feira propriamente dita, com stands das empresas de todo o mundo que comercializavam variedades de cannabis, insumos para plantação, sementes, utensílios para cultivo e consumo, informações sobre cuidado e o uso de drogas, stands do governo sobre prevenção às drogas, stands médicos sobre os usos terapêuticos da planta, stands sobre o uso industrial, como: roupas, tecidos, comida, casas, óleos, etc, havia até um stand com informações e dicas para se investir em Maconha na Bolsa de Valores. Simultaneamente com a feira acontecia palestras com conferencista internacionais e nacionais, bem como oficinas e círculo de debates sobre política de drogas. Na parte externa do pavilhão da feira, havia um espaço para confraternização, com shows musicais e teatro.

Após caminhar bastante pela feira, conversar com pessoas e empresários de muitos países como: Holanda, Espanha, Portugal, EUA, México, Chile, Canadá e do próprio Uruguai, constatei o inevitável, a total ignorância de nossa sociedade, bem como de nossos políticos sobre o que significa, política de drogas, redução de danos e regulamentação responsável de drogas. Todo o estudo e a percepção que já tinha sobre as políticas sobre drogas desses países se confirmaram nas explanações dos conferencistas, bem como confirmaram a insanidade da política de drogas que o Brasil insiste em manter. Alguns políticos fazem o discurso por ignorância, mas alguns, que possuem o conhecimento, creio que estão de má-fé.

…constatei o inevitável, a total ignorância de nossa sociedade, bem como de nossos políticos sobre o que significa, política de drogas, redução de danos e regulamentação responsável de drogas…

Uma das situações curiosas foi ver um casal de idosos, experimentando uma variedade de cannabis em um vaporizador, logo pensei, se fosse no Brasil, teria que prender a coitada da vovó. Outra curiosidade foi ver uma mãe, brasileira, com o filho que tinha problemas psicomotores e andava com a ajuda de uma cadeira de rodas elétrica. Aí!, pensei novamente, quem poderia prender uma mãe e um filho que possuíssem as certas plantas em sua casa para aliviar sua dor e ter melhor qualidade de vida?! Se fosse no Brasil, teríamos que prender, pois a lei penal é cogente e está aí para ser cumprida, seja boa ou ruim.

Uma das situações mais curiosas, foi ver pessoas comprando mudas de cannabis, para levar para suas casas, jovens adultos, senhores e senhoras, aí pensei, novamente, ôpa! Isso é tráfico (Lei de Drogas do Brasil), esses indivíduos devem ser do mal, pessoas desprezíveis, serão os novos assassinos do Uruguai. Como um agente da lei, certamente existe uma confusão jurídica na mente de qualquer policial do Brasil, pois como essa situação é crime no Brasil?!

Como já deve ser de conhecimento de alguns, no Uruguai o consumo de drogas não é proibido, muito menos criminalizado, desde 1976, em plena ditadura, os uruguaios tiveram a lucidez de descriminalizar a posse e o consumo de todas as drogas. Após muita discussão, debate e esclarecimento da população, o governo uruguaio iniciou um processo de regulamentação das drogas, que começou com a cannabis.

Sobre os uruguaios apenas uma curiosidade vale a pena mencionar. Eles são viciados em MATE. Após passear pela cidade de Montevidéu, de ônibus e de carro, pude perceber no que os uruguaios são viciados. Eles são dependentes de MATE. Em todos os lugares, praças, no ônibus (o motorista e o cobrador) possuíam sua cuia e térmica. Num restaurante em que fui, um casal entrou e com eles estavam a cuia e a térmica. O mais incrível é que nos ônibus há um avisa dizendo: “É proibido tomar MATE”. Isso é singular, pois em Montevideo pode se fumar maconha, mas é proibido tomar Mate dentro do ônibus. Uma grande parcela de usuários do coletivo estava com sua cuia e térmica, sendo que alguns colocavam água na cuia escondido para o cobrador não ver. Inacreditável.

As palestras foram muito informativas e explicativas, pois trouxeram visões e estudos da ciência e da prática sobre como devemos trabalhar e desenvolver políticas públicas de prevenção ao uso de drogas, que certamente não é pela repressão indiscriminada e pela negação das substâncias.

Particularmente, senti-me como um espião da ABIN, para citar a agência brasileira e não a americana. Como policial, admito que foi muito estranho presenciar pessoas, falando, discutindo, debatendo, ensinando a plantar, usar, aplicando na Bolsa de Valores, sendo que tudo isso no Brasil, é ilegal e proibido. Como cidadão e pesquisador, foi uma experiência ímpar, haja vista o intercâmbio de informações com estudiosos e personalidades de todo o mundo.

Enfim, no Uruguai, há cassinos, o jogo é legalizado, o aborto é legalizado, o casamento Gay é legalizado, consumir drogas é permitido, desde 1976, cultivar, vender e usar cannabis está legalizado, e em nada disso tornou o país num narcoestado ou levou a população ao caos e a histeria total, muito pelo contrário, é um país civilizado, culto e que segundo uma pesquisa recente, viver em países como o Uruguai, leia-se menos conservadores, é bom para a saúde e melhora a qualidade de vida. Permanecer na ignorância não é mais uma escolha, pois nela somos vítimas, com o conhecimento nos tornamos responsáveis.

Confira em fotos um pouco da 1ª feira da maconha regulamentada no Uruguai

¹Diego Inspetor de Polícia, pós-graduado em Segurança Pública e Cidadania pela UFRGS. Trabalha no Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico-DENARC, da Polícia Civil do Rio Grande do Sul. Conselheiro Estadual de Políticas sobre Drogas do RS. Membro e Porta-Voz do movimento Law Enforcement Against Prohibition (Leap- Brasil).

Site oficial da ExpoCannabis: http://www.expocannabis.uy/

Foto de Capa: El País

 

 

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