Literatura Sativa: Areia na pele

 

— Deita nesta esteira.

Disse a morena, que talvez fosse uma cigana, se não parecesse tanto com uma bela índia. Ou se suas roupas não fossem em tons discretos quase como segunda pele descascada pelo excesso de sol.

— Você tem muito descanso pela frente.

Pronunciou palavra por palavra. Enquanto agitava os olhos em direção à fumaça que saía da minha boca.

A saia arrastava delicadamente nos tornozelos enquanto ela flutuava sobre o chão de areia fina. Sua precisão parecia proposital e ritmada.

Um modista talvez não obtivesse um corte tão sensual, mas algumas coisas só ficam realmente perfeitas quando parecem já desgastadas.

Seu sorriso acolhia e parecia vazio de intenções. Acompanhava minha fixação sobre suas duas castanhas negras cobertas por sobrancelhas que me interrogavam sem culpa. Sua boca ficava mais convidativa do que no momento em que a olhara com muito caso.

Há baixas horas atrás? Pensou enquanto tentava recordar sem certeza alguma.

“A areia na pele marinha, tua, tua”. Era a trilha daquele momento e único som além do vento nas árvores que pareciam acenar muito ao longe de na direção de onde recebia calor e luz, há uns dez ou cem passos dali.

Não conseguiu identificar de onde vinha. Ela pouco parecia ouvir ou se importar. Enquanto divagara a fumaça mudara de lábios.

De onde vinha agora, seu odor era mais agradável, um torpor quase imediato apenas ao respirar, e uma pergunta o retirou de seu transe:

— Quer um pouco do meu? Quer provar? – disse com um sotaque amineirado, mas de quem viveu algum tempo pelo nordeste do Brasil.

— Bem, tenha certeza. Disse, pensou, ou bem mais provável, soprou as palavras com o que sobrara de forças, após tudo que viveu ou sonhou.

Tomou a fumaça em suas mãos gentilmente, não sem antes receber uma lufada que desceu garganta abaixo enquanto os lábios se afastavam. Sentia areia escorrer ao levantar. Ao segundo arfar o corpo parecia novo. Olhou sorrindo, enquanto repetia:

— Me sinto ótimo. Agora sim, estou bem.

Andando em círculos. Arrastando o corpo empanado em uma alegria sobrenatural e voltou ao reconforto dos braços e pernas que pareciam, conforto e desejo insano num mesmo frasco tropical.

Reparou antes de rolarem até a esteira: Como pareciam um só, a textura da areia na pele, e que estava em uma caverna de teto azulado.

Perguntou, após o cansaço estampado em respirações se normalizando, há quanto tempo estavam ali.

O par de pitombas se fez franzido. Sorriu cinicamente e nada disse.

Já ele, entregue ao sono se foi. Tempos depois levantou-se de súbito, sem entender muita coisa e antes de qualquer reação ouviu:

— Deita nesta esteira.

mm

Sobre Gabriel De Lucia Murga

Assessor de imprensa, relações públicas e jornalista freelancer formado pela UERJ. Já trabalhou na Folha de São Paulo, no jornal Lance!, na assessoria de imprensa da Árvore de Natal da Bradesco Seguros (entre 2012 e 2014) e no escritório brasileiro da Anistia Internacional (entre 2016 e 2018). Colabora regularmente para a Smoke Buddies e Socialista Morena. Já colaborou com a revista Cáñamo na Espanha e no Chile, a Diga Communications UK, o Prêmio Gilberto Velho Mídia e Drogas 2017, entre outras organizações públicas e privadas. Lançou seu primeiro livro em 2018, "Brisas" pela Autografia Editora, e seu primeiro trabalho como compositor de música brasileira, o EP "77 Rotações". Contato, críticas e sugestões em: gabrieldeluciamurga@gmail.com
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