“Descobri um câncer no parto e a maconha me ajudou a ser mãe de verdade”

Câncer.

A quimioterapia pode trazer efeitos colaterais devastadores, ainda mais quando os mesmos impossibilitam uma mãe de cuidar de sua filha. Saiba como a maconha tornou possível que uma mulher se tornasse uma mãe de verdade com as informações do BOL.

#PraCegoVer: fotografia de Thais Carvalho com a filha, Gaia.

A empresária Thais Silva Torres Carvalho, 39 anos, teve de fazer uma biópsia no momento em que deu à luz Gaia, hoje com 8 anos. O exame diagnosticou um câncer no ovário 20 dias depois. Os remédios que teve de tomar para se preparar para a quimioterapia a impediram de amamentar a filha e, durante o tratamento, não conseguia nem pegá-la no colo. “Não conseguia ficar com ela, não tinha forças, ficava o dia todo prostrada na cama.”

Ao pesquisarem alternativas para os sintomas da quimioterapia, ela e o marido descobriram que a maconha poderia amenizar enjoos e aumentar o apetite. Resolveu testar e, já depois do primeiro cigarro, conseguiu se levantar e pegar a filha no colo, o que não fazia desde o seu nascimento. “Abracei meu marido com ela no meio e comecei a chorar. Foi quando me senti mãe de verdade.”

No relato abaixo, Thais fala sobre a luta contra o câncer e a tristeza por não conseguir cuidar da filha. E como foi, depois de recuperada, ter de lidar com o fato de o marido ser indiciado por tráfico internacional de drogas porque havia importado sementes de maconha para salvá-la.

“No oitavo mês de gravidez, fui internada com dores na região do ovário. Na época, não sabia o que era. Fiquei duas semanas no hospital, mas os exames não indicaram nada. No dia que ia ter alta, entrei em trabalho de parto. Estava tranquila, ansiosa pelo parto mas confiante que ia dar tudo certo. Nem imaginava que só conseguiria cuidar dela muito tempo depois. E só porque comecei a fumar maconha.

No momento da cesárea, a médica viu que meu ovário direito havia estourado. Na hora, chamaram uma equipe de cirurgiões, tiveram que lavar meus órgãos. Mas não souberam me dizer o que havia acontecido. Depois de 20 dias, chegou o resultado da biópsia: tive câncer de ovário e precisava passar por uma cirurgia para retirar todo o meu aparelho reprodutor.

Passei por essa cirurgia poucos dias depois de minha filha ir para casa. Como ela nasceu de oito meses, ficou na UTI e acabou pegando uma bactéria, o que a fez ficar internada por 30 dias. Era maio de 2010. Depois da cirurgia, voltei para casa e consegui ficar próxima da minha filha, fazer o que uma mãe faz. Mas isso durou menos de dois meses.

Em julho de 2010, fiz a primeira sessão de quimioterapia. Os sintomas foram avassaladores. Não conseguia comer, dormia mal, não tinha forças para me movimentar. Passei 40 dias de cama até a segunda sessão, que me deixou ainda pior.

Com quase três meses de quimioterapia, me vi prostrada na cama. Chorava muito. Meu marido começou a fazer pesquisas por conta própria para ver o que poderia ser usado para amenizar os sintomas. Já estava tão mal que comecei a ter problemas psicológicos, desenvolvi síndrome do pânico. Em um site do exterior, ele viu que a maconha poderia ajudar nos efeitos colaterais da quimio.

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Ficamos em dúvida. Era um momento em que mal se falava sobre maconha medicinal no Brasil. Mas minha situação era tão difícil que resolvemos testar. Quando fumei meu primeiro cigarro de maconha, alguns minutos depois, já me sentia melhor. Os enjoos diminuíram e senti fome.

#PraCegoVer: fotografia, da esquerda para a direita, de Jairo, Gaia e Thais.

Mas a primeira coisa que fiz foi levantar da cama e pegar minha filha no colo. Lembro de segurá-la e andar com ela pela casa. Meu marido e eu nos abraçamos, com ela no meio, e começamos a chorar. Foi quando me senti mãe de verdade. Até então, era só ele que cuidava da Gaia. Depois, comecei a fazer as tarefas da maternidade também: dava de mamar (com a mamadeira porque eu não podia amamentar), arrumava o quarto dela, trocava fralda.

Depois disso, resolvemos plantar maconha em casa. Ele comprou sementes do exterior, que chegaram pelo correio. Eu ficava cada dia melhor: dormia bem, tinha mais disposição. Quando sentia um enjoo, fumava um pouco, e passava. Em cerca de nove meses, finalizei o tratamento com sucesso. Comecei a fazer exames de três em três meses para acompanhamento e fiquei feliz ao ver que tinha me curado.

O susto foi grande quando, quatro anos depois, recebemos um comunicado de que meu marido havia sido indiciado por tráfico internacional de drogas por causa da importação da semente. Falamos com um advogado e juntamos palestras que dei no Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), sobre uso medicinal da maconha. Também coloquei entre as provas a meu favor o documentário “Ilegal”, que também trata do uso da droga para amenizar sintomas de doenças e efeitos colaterais de tratamentos. Depois de apresentar toda minha defesa, o juiz nem aceitou a denúncia.

O câncer me fez enxergar uma nova profissão. Por causa da quimioterapia, tive que aprender a comer de maneira mais saudável e priorizar produtos naturais. Sou publicitária por formação mas, depois de ler muito sobre alimentação natural, decidi entrar nesse ramo. Fiz cursos, me especializei e abri uma empresa de produtos veganos que leva o nome da minha filha, Gaia. Por outro lado, também teve consequências negativas. Tenho várias sequelas. Por causa da retirada do útero e dos ovários, faltam hormônios e isso prejudica a produção de cálcio. Tenho degeneração na coluna, hérnia de disco e muitas dores lombares. Mas o que importa mesmo é que estou viva e ao lado da minha família.”

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#PraCegoVer: imagem de capa é formada pelas duas fotografias exibidas na matéria, respectivamente, lado a lado.

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