Da ilegalidade ao ‘maconhaço’: O que mudou nos 10 anos da Marcha da Maconha

Em 10 anos de luta, o ativismo pela maconha floresceu, ganhou novas frentes e ampliou sua área de atuação. Todavia, a batalha ainda está longe terminar, com pacientes à mercê de decisões judiciais para o autocultivo e usuários sendo presos pelo crime de tráfico. As informações são da HuffPost Brasil.

Marcha da Maconha de São Paulo volta a tomar a Avenida Paulista na tarde deste sábado (26), em defesa da legalização da cannabis no Brasil. Em 10 anos de história, o movimento — que no início foi considerado ilegal — cresceu, ganhou novos adeptos e ampliou sua pauta de reivindicações.

Os diversos coletivos que compõem a marcha têm demandas distintas e pedem desde a liberação do uso medicinal, recreativo e religioso da maconha até o autocultivo e a legalização de todas as drogas.

Além da defesa das liberdades individuais, a Marcha da Maconha prega a revisão da lei como forma de combater a violência provocada pela guerra às drogas, que atinge principalmente a população negra e periférica do País.

#PraCegoVer: fotografia de uma multidão levantando várias faixas e placas, com destaque de uma faixa de cor laranja com os dizeres em preto “A guerra às drogas é guerra aos pobres”, durante a Marcha da Maconha de São Paulo, em 2016. Créditos: Nelson Almeida – AFP.

O movimento surgiu nos Estados Unidos nos anos 1990 e logo se espalhou. Hoje, a Marcha da Maconha ocorre anualmente em mais de 300 cidades no mundo. No Brasil, está presente em quase 40 municípios.

Além dos grupos que pedem a legalização da maconha, a marcha de São Paulo conta com o bloco dos psicodélicos, que defende a reforma das leis em benefício também da ciência, e há, ainda, a presença de coletivos feministas, que expõem a forma como as mulheres são especialmente afetadas pela política de encarceramento em massa.

Ao diversificar suas bandeiras, a Marcha da Maconha ganhou também a simpatia de quem não é usuário. Veja a cronologia do movimento em São Paulo:

2008: ‘Apologia ao crime’

Em São Paulo, a primeira edição da Marcha da Maconha foi realizada em 2008, no Parque do Ibirapuera, na ilegalidade. A Justiça proibiu o encontro com o argumento de que o evento fazia “apologia ao crime”, mas cerca de 100 ativistas estiveram no local para pedir a legalização.

Essa lógica reinou até 2011, quando, após nova proibição, manifestantes se reuniram na Avenida Paulista para protestar a favor da liberdade de expressão. O ato, porém, foi reprimido com bombas pela Tropa de Choque da Polícia Militar e terminou com ativistas presos e dezenas de feridos.

#PraCegoVer: fotografia de várias pessoas correndo enquanto um homem tenta chutar uma bomba atirada pela polícia militar, durante a Marcha da Maconha de São Paulo, em 2011. Créditos: Nacho Doce – Reuters.

2011: STF libera a Marcha da Maconha

Após a repressão observada em São Paulo e uma enxurrada de decisões judiciais que proibiram a realização do evento em diversos estados, o STF (Supremo Tribunal Federal) levou a questão ao plenário e, em 15 de junho de 2011, os ministros decidiram liberar a Marcha da Maconha em todo o País. A decisão foi unânime.

[A Marcha da Maconha reivindica a] discussão democrática do modelo proibicionista e dos efeitos que [esse modelo] produziu em termos de incremento da violência.

— Ministro Celso de Mello, do STF, em 2011.

2014: Uso medicinal da erva avança

Os grupos que defendem a regulação do uso medicinal da cannabis ganharam mais espaço nas marchas a partir de 2014. Naquele ano, Katiele Fischer tornava-se a primeira brasileira a conseguir autorização judicial para importar legalmente o óleo de CBD — canabidiol — para o tratamento da filha Anny, portadora de uma síndrome rara que causa epilepsia refratária (resistente a tratamentos convencionais).

Antes da decisão, a família fazia a importação de modo ilegal, correndo o risco de responder por tráfico internacional de drogas.

A luta de Katiele e outras famílias, retratada em reportagens na imprensa e no documentário Ilegal, repercutiu. A primeira vitória coletiva não tardou, e em janeiro de 2015 a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) retirou o CBD do rol de itens proibidos e o reclassificou como substância de uso de controlado, regulamentando a importação.

#PraCegoVer: fotografia de vários pacientes, a maioria crianças, e familiares no Bloco da Maconha Medicinal, na Marcha da Maconha de São Paulo, em 2017. Créditos: Cris Faga – Nurphoto.

2016: A marcha chega às periferias

A fim de reverter a percepção de que a Marcha da Maconha é um evento da “classe média branca”, coletivos à frente do movimento em São Paulo decidiram, em 2016, promover atividades também nas periferias.

Com o mote “Fogo na bomba e paz na quebrada”, os atos daquele ano não se restringiram à privilegiada região da Avenida Paulista e alcançaram os extremos da cidade. A iniciativa continuou em 2017, e neste 2018 atos já foram realizados nas zonas leste, oeste e sul da capital.

“A marcha de 2011 era praticamente [toda formada] de universitários brancos, da USP em geral. Hoje a marcha é muito diferente disso, há mais mulheres, mais pessoas de outras origens, outras cores, outras idades.”

— Julio Delmanto, do coletivo DAR (Desentorpecendo a Razão), em entrevista à Plataforma Brasileira de Política de Drogas

Foi também em 2016 que os organizadores da marcha convocaram o primeiro “maconhaço”, um ato de desobediência civil pela legalização.

#PraCegoVer: fotografia de uma multidão segurando diversas placas e faixas, com destaque para uma com o desenho da folha da maconha e a escrita “Bloco Da Liberdade”, durante a Marcha da Maconha São Paulo de 2016. Créditos: Nelson Almeida – AFP.

O que vem por aí

A política proibicionista vem sendo derrubada no exterior, mas, no Brasil, ainda discutimos se o usuário é ou não criminoso.

Lei de Drogas (lei 11.343), de 2006, determina que o usuário não pode ser preso – são aplicadas penas alternativas -, mas a ausência de critérios que diferenciem o que é consumo do que é tráfico permite que usuários sejam enquadrados como traficantes.

O debate sobre a descriminalização do porte e consumo de maconha a partir da análise da Lei de Drogas está parado no STF desde 2015, e cabe ao ministro Alexandre de Moraes pautar a continuidade do julgamento.

Por enquanto, o placar está em 3 a 0 a favor da descriminalização. Votaram dessa forma os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Não há prazo para a retomada do julgamento.

É, portanto, a discussão do uso medicinal da maconha que mais tem avançado no Brasil, embora o progresso ocorra em marcha lenta.

A autorização para importação de produtos à base de maconha foi uma vitória, mas o custo do tratamento é altíssimo. Os pacientes, então, passaram a recorrer à Justiça pelo direito ao cultivo caseiro e à produção artesanal de “óleo de maconha”, e a primeira decisão em benefício de uma família saiu em 2016.

A novidade mais recente diz respeito à regulação do plantio de maconha para pesquisa e produção de medicamentos, prometida pela Anvisa para 2018, mas apenas empresas devem ser beneficiadas. Enquanto isso, a luta dos pacientes pelo direito ao cultivo caseiro continua.

Leia também:

Marcha da Maconha marca 10 anos de resistência contra a proibição

#PraCegoVer: fotografia da Marcha da Maconha de São Paulo, em 2014, e à frente uma grande faixa branca com a escrita “Legaliza Já!”, desenhos da folha da maconha e o logo do movimento. Créditos: Mídia Ninja.

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