Clínica nos EUA usa maconha no tratamento contra dependência química

Clínica norte-americana está experimentando a teoria da maconha ser a porta de saída para drogas mais pesadas. Especialistas em toxicodependência consideram a erva uma potencial ajuda para aqueles que querem largar o vício em heroína.

Nove dias após sua mais recente recaída com heroína, Nikolas Michaud, o homem magro de 27 anos de idade estava sentado em um deque de uma nova clínica de reabilitação de drogas, em Los Angeles. Pegou um pipe, encheu com uma pitada de maconha, acendeu e inalou.

Nikolas Michaud fuma maconha como parte de seu tratamento em uma clínica de reabilitação, em Los Angeles

Tudo isso aconteceu à vista do diretor da clínica.

“As regras aqui são um pouco menos estritas”, disse Michaud.

Segunda a publicação do The New York Times, em qualquer outra reabilitação no país, fumar maconha seria um grande problema e uma provável causa para ser expulso. Mas aqui na High Sobriety – a clínica com um nome que soa como o título dos filmes de Cheech e Chong – não é apenas permitido, mas faz parte do tratamento.

A nova clínica está experimentando um conceito que atualmente só é possível com a crescente onda da legalização da cannabis. A maconha ao invés de ser uma porta de entrada para drogas, poderia ser uma porta de saída.

Um número pequeno, mas crescente, de médicos e especialistas em dores e dependência química estão supervisionando o uso da maconha como um substituto de drogas mais potentes e perigosas. Dr. Mark Wallace, presidente da divisão de medicina da dor no departamento de anestesia da Universidade da Califórnia, em San Diego, disse que, nos últimos cinco anos ele usou maconha para ajudar centenas de pacientes a largarem os opiáceos.

“A maioria dos pacientes continua a usá-lo”, disse Mark sobre a maconha. Mas ele acrescentou o que é comentado sobre os opiáceos “Sentia que eu era um escravo dessa droga. Agora eu sinto como se tivesse minha vida de volta.”

MAIS ESTUDOS

Dr. Wallace é rápido em observar que sua evidência é informal e mais estudos são necessários. Segundo ele, a pesquisa em ratos mostra que o uso de canabinóides pode induzir a retirada de substâncias mais pesadas. Mas e em seres humanos?

Um relatório publicado em janeiro pela Academia Nacional de Ciências sobre os efeitos da cannabis sobre a saúde “não encontrou evidência para apoiar ou refutar a conclusão de que os canabinóides são um tratamento eficaz para alcançar a abstinência no uso de substâncias viciantes”, disse a Dra. Marie McCormick, uma professora de Harvard que foi a presidente do comitê de estudo.

A pesquisa encontrou evidência forte para apoiar que cannabis ou compostos relacionados podem ser usados ​​para tratar dor crônica em adultos, mas isso é diferente de usá-lo de forma segura e eficaz para as pessoas abandonar outras drogas, e alguns especialistas no campo da dependência são altamente céticos quanto a isso.

“O conceito em face é um absurdo”, disse Dr. Mark Willenbring, um psiquiatra que trata viciados e anteriormente supervisionou a pesquisa do Instituto Nacional de Abuso de Álcool e Alcoolismo. Ele disse que abordagens alternativas são necessárias para o tratamento tradicional de drogas, mas não isso.

“Não estou propenso a fazer declarações exageradas ou não qualificadas e, neste caso, não preciso dizer nada: Não funciona”, disse ele, “é como tentar curar o alcoolismo com Valium.”

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A ideia não decorre apenas da legalização da maconha em vários estados norte-americanos, incluindo a Califórnia, mas também de uma análise mais ampla sobre o sistema tradicional de dependência. O tratamento do abuso de substâncias muitas vezes falha, custando as famílias, ao governo ou seguradoras dezenas de milhares de dólares em terapia. Muitos pacientes abandonam parcialmente o tratamento por conto de recaídas.

Nikolas Michaud, 27, fumando um baseado na High Sobriety em Los Angeles durante o tratamento para o vício da heroína.

Estas falhas se tornaram mais evidentes devido a um punhado de acontecimentos. A crescente taxa de mortalidade por opiáceos e um aumento na taxa de mortalidade de jovens, adultos e brancos, causadas por overdose de drogas. Há também uma crescente conversa sobre uma atualização necessária para o programa de desintoxicação baseado em 12 passos, em que exigem abstinência total, mas muitas pessoas falham e por fim acabam morrendo.

Maconha como porta de saída

Algumas pesquisas sugerem que a maconha pode ajudar a deter essa maré dos abusos de opiáceos.

Um estudo publicado pela JAMA Internal Medicine, em 2014, constatou que os estados com leis de maconha medicinal possuem taxas mais baixas nas mortes por overdose de opiáceos.

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Outro artigo, publicado este ano pelo The International Journal of Drug Policy, descobriu que 30% dos 271 entrevistados relataram que eles utilizaram maconha como um substituto para opiáceos. Entretanto os pesquisadores observaram que a pesquisa não pode ser representativa e que não se sabe se a erva forneceu um substituto parcial ou total para outras drogas.

Têm sido difícil reunir evidências mais concretas e diretas, já que a maconha ainda consta na lista de classificação 1, como substância ilegal para o governo federal, o que limita severamente a disponibilidade de financiamentos para estudos em humanos.

Amanda Reiman, especialista em política de drogas e professora da Universidade da Califórnia em Berkeley, chama a falta de tais estudos de “uma enorme barreira”. Para ela a escassez de evidências argumenta não apenas para um estudo mais aprofundado, mas para avançar com os tratamentos em clínicas como a High Sobriety. O ponto principal é que os opiáceos e outras drogas viciantes matam pessoas, então por que não fazer todos os esforços para encontrar uma maneira melhor?

“Não há nenhuma razão científica para acreditar que é melhor para alguém estar completamente sóbrio do que usando cannabis ocasionalmente, ou mesmo regularmente, como um adulto sendo funcional, feliz e produtivo”, disse a Drª. Reiman, uma consultora não remunerada da High Sobriety, que acrescentou, “Usar cannabis é uma prática relativamente segura”.

O cofundador e principal investidor na clínica High Sobriety, Michael Welch, é um dependente em heroína em recuperação que foi ajudado por um programa tradicional, que prega principalmente a abstinência.

Ele também é coproprietário e atua em várias clínicas de reabilitação, em um total de 100 leitos, baseadas no método. (As taxas variam de US$25 mil a US $80 mil por mês por um quarto privado).

“Todos os centros de tratamento sabem disso, nós sabemos disso. Alguns tiveram os mesmos clientes voltando 5, 10, 15 vezes simplesmente porque não conseguimos tratar Billy, não conseguimos tratar Joe'”, disse Welch.

E completa:

“As pessoas estão morrendo”, disse Welch: “Por que não tentar usar a maconha para ajudar os pacientes que não conseguem enfrentar a abstinência?”

Seu cofundador, Joe Schrank, argumentou que a maconha não vai matar os pacientes dependentes em opiáceos. Mas ajuda a dormir, relaxar e desenvolver novamente o apetite.

O primeiro internado da High Sobriety foi o Michael Michaud, que compartilhou sua história em fevereiro e parece feita sob medida para testar sua hipótese.

Sua mãe, Kristen Michaud, disse que ao longo dos anos ela enviou a ele para meia dúzia de programas, vários deles mais de uma vez, e gastou mais de US$ 300.000. Mas até agora ele o mantém na High Sobriety, que o tratamento é feito com maconha.

“Se esse garoto não conseguir através da cannabis, ele está perdido”, disse Joe Schrank, “se não fosse pela maconha, ele teria fugido no meio da noite.”

Tradução Smoke Buddies

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Sobre Dave Coutinho

Carioca, Maconheiro, Ativista na Luta pela Legalização da Maconha e outras causas. CEO "faz-tudo" e Co-fundador da Smoke Buddies, um projeto que começou em 2011 e para o qual, desde então, tenho me dedicado exclusivamente.
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