Chiara de Blasio – Saindo do armário
O pianinho suave ao fundo, o laçarote fashion no cabelo e a voz delicada não tiraram a força do depoimento de Chiara de Blasio, feito na véspera de Natal. Num vídeo, ela conta sua história de abuso de drogas e álcool para aliviar o sentimento de insegurança e depressão que a envolveu ao se ver sozinha na universidade na Califórnia, pela primeira vez longe da proteção da família do Brooklyn. Sincera, comovente, sem drama, ela relata uma história semelhante à de milhões de jovens pelo mundo, com experiências complicadas — ou não — com maconha e bebida. A diferença é que Chiara não é uma anônima, ela é filha de Bill de Blasio e saiu do armário uma semana antes de o pai tomar posse como prefeito de Nova York, no dia 1º de janeiro.
A família De Blasio, a gente já sabe, encantou os nova-iorquinos na campanha eleitoral e foi adotada como símbolo da diversidade da cidade: Bill, um gigantão branco com uma formação bem americana; a esposa é uma poetisa negra e lésbica na juventude, o filho tem um adorável cabelo black power e a filha mais velha, uma bonita mulata de 19 anos, recém-chegada à universidade. De um jeito nada convencional, a família e a plataforma política do então candidato a prefeito se misturaram na campanha, mas não entrou no script a relação de Chiara com drogas e álcool, alvo de muitas especulações. Para enfrentar a típica situação de políticos às voltas com filhos problemáticos — por escolhas não ortodoxas, rebeldia ou desrespeito às leis — a equipe do futuro prefeito escolheu manter sob controle a imagem e a mensagem a serem mandadas aos nova-iorquinos: distribuiu o vídeo de cinco minutos, cuidadosamente produzido — mesclando o jeito adolescente de Chiara com mensagens à la Alcoólicos Anônimos — e lançou-o num timing perfeito, no dia em que os integrados estavam às voltas com compras de Natal e os deprimidos sentiam-se ainda mais solitários.
“O vídeo fala sobre uma série de desafios que enfrentamos como sociedade”, disse o prefeito eleito, na porta de casa, com o braço apoiado no ombro da filha, elogiando a coragem, a clareza e a sabedoria da jovem.
Ninguém é amador na política americana, e a Casa Branca imediatamente mandou uma mensagem de apoio ao primeiro prefeito democrata de Nova York em quatro décadas: o diretor do Serviço Nacional de Drogas congratulou a filha de De Blasio por compartilhar com os americanos seu processo de recuperação. Nem precisava, Chiara despertou só simpatias ao confessar que ficar sóbria foi a coisa mais difícil da sua vida — só conseguiu a proeza, conta, com a ajuda da psicoterapia de grupo e de tratamento num centro de Nova York. “Beber e fumar maconha me deixavam mais segura, era alguma coisa que eu tinha em comum com os meus colegas,” diz, no vídeo.
Nenhuma dúvida, o estilo na prefeitura de Nova York vai mudar, assim como já mudou a relação dos americanos — e de parte do mundo ocidental — com as drogas. Quarta-feira sai o cerebral bilionário Michael Bloomberg e mudam-se para Gracie Mansion, a residência oficial do prefeito, o democrata Bill de Blasio e sua família, cujos dramas e graças já foram incorporados ao cotidiano dos nova-iorquinos. “Gostemos ou não, cada um dos membros da família fará parte da nossa vida e da vida da cidade”, disse o consultor político Hank Sheinkopf ao “New York Times”.
“Se fosse nos velhos tempos, alguém contando que fuma maconha poderia ser enquadrado por apologia ao crime” – André Barros, advogado da Marcha da Maconha
Por enquanto, gostamos. Nunca antes um político tomou a iniciativa de revelar o uso de drogas por alguém da família. No roteiro tradicional, a privacidade de filhos e parentes é mantida até explodir um escândalo, causado pelo flagrante comprometedor de paparazzis ou por um encontro inesperado com a polícia. “Se fosse nos velhos tempos, alguém contando que fuma maconha poderia ser enquadrado por apologia ao crime”, diz o advogado André Barros, um dos autores do recurso extraordinário impetrado no STF, arguindo que a criminalização do uso de drogas no Brasil é inconstitucional.
Como aconteceu com o casamento gay, a batalha cultural sobre a legalização da maconha está ganha nos EUA: a maioria acha que o consumo deveria ser livre para os adultos, mas o porte de pequenas quantidades só é legal para uso medicinal em 18 estados, e em dois para “uso recreativo” — jargão das leis para se referir a fumar por puro prazer. É uma questão de pouco tempo, acham os defensores da mudança na lei.
Mas o país do ano no quesito maconha foi o Uruguai, com a aprovação de uma legislação inteligente, capaz de reduzir o poder dos traficantes se for copiada por outros países. “A inovação é permitir o plantio de seis pés por pessoa e por cooperativas de 15 a 45 membros”, diz André. O barato do Uruguai foi controlar a produção, em vez de legalizar só o consumo e não querer saber de onde vem a droga. Com isso, atraiu a atenção do mundo. Nós, como vizinhos, estamos numa posição privilegiada para aprender com eles.
Via Jornal O Globo
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