Busca e apreensão de manifestantes

“Se na ditadura militar, livros e cartas eram apreendidos, agora são computadores e celulares. Os mesmos que serviram à ditadura permanecem nos órgão de repressão na democracia e, pelo visto, ainda fizeram escola.” – Dr. André Barros

Dr. André Barros, advogado da Marcha da Maconha, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ e do Instituto dos Advogados Brasileiros relata um pouco da tensão vivida, um dia antes da abertura da Copa do Mundo, além de todo abuso ditatorial sob a máscara da ‘democracia’, na busca e apreensão de manifestantes.

Um dia antes da estreia da seleção brasileira de futebol na copa do mundo no Brasil, 12 mandados de busca e apreensão, de 17 expedidos, foram cumpridos. A polícia entrou pela manhã na casa de 12 manifestantes e, como se tratava de ordem genérica, apreendeu celulares e aparelhos de internet. Espalhou-se um boato de que todos prestaram depoimento de livre e espontânea vontade e apenas acompanhavam seu material apreendido. Inicialmente, cabe esclarecer que o procedimento normal para a tomada de depoimento como indiciado ou testemunha é o seguinte: primeiro, o depoente deve ser intimado a comparecer em hora e local determinado. Caso não compareça, pode ser conduzido à delegacia por ordem do delegado. Há o entendimento de que só o Juiz pode conduzir alguém para depor. Muitos delegados inclusive usam o crime de desobediência para ameaçar quem não deseja falar na polícia.

Como ocorreu, no mínimo, a condução fugiu aos padrões. Os conduzidos estavam na condição de investigados da autoria de algum crime, caso contrário, por que apreender computadores e celulares deles? Nessa condição, teriam o direito de permanecer calados e de só prestarem depoimento em juízo. Mas foram colocados na condição de testemunhas, sob ameaça do crime de falso testemunho, forçando-os, assim, a criarem provas contra si mesmos. Pior, sequer sabiam dos fatos que estavam sendo apurados. Alguns, inclusive, nem prestaram depoimento, levantaram apenas seus antecedentes criminais e foram liberados. Então, por que foram conduzidos se nem testemunhas eram? Tratavam-se de procedimento ou processos sigilosos, pois ninguém conhecia o objeto da investigação. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que os advogados devem ter acesso ao inquérito para instruírem seus clientes. Tais provas desta forma foram obtidas de forma ilícita e devem ser arguidos, caso venham a ser usadas.

Criam assim um clima de medo para esvaziar as manifestações na copa do mundo de futebol no Brasil. Violam a garantia constitucional de que todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, como estabelece o inciso XVI do artigo 5º da maior lei do país. Se na ditadura militar, livros e cartas eram apreendidos, agora são computadores e celulares. Os mesmos que serviram à ditadura permanecem nos órgão de repressão na democracia e, pelo visto, ainda fizeram escola. Procedimentos sigilosos, apreensões em processos inexistentes, prisões ilegais, coação ao exercício da advocacia, são instrumentos de exceção sob a máscara da democracia.

Foto de capa Mídia Ninja

 

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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