A maconha afeta mulheres e homens de modo diferente?

Poucos estudos foram realizados sobre as diferenças do efeito da maconha entre homens e mulheres, contudo os dados disponíveis sugerem que diversas drogas podem ter efeitos diferentes de acordo com o sexo. Saiba mais com as informações da VICE Brasil.

Se tem uma área em que os homens superam as mulheres é o consumo de maconha. Os dados disponíveis sugerem que três quartos dos fumantes de maconha são homens e, embora o vício em maconha seja muito raro, eles são mais propensos a desenvolver dependência do que as mulheres.

Durante anos, profissionais da saúde se viram às voltas com essa realidade, questionando-se sobre como as mulheres respondem às drogas e como elas divergem dos homens nesse aspecto.

Tal estudo é importante porque a cultura da maconha está aos poucos começando a mudar. Políticas mais flexíveis que dizem respeito ao consumo de maconha no mundo todo nas duas últimas décadas levaram a uma maior aceitação da droga, tanto para uso médico quanto recreativo. Nos EUA, o número de pessoas que usam maconha aumenta constantemente, e as mulheres parecem compor grande parte desses novos consumidores. A lacuna entre o uso por mulheres e homens está diminuindo, especialmente no que diz respeito ao uso medicinal da droga.

Essas mudanças acontecem em um momento em que, por meio da ciência, pesquisadores estão começando a perceber que diversas drogas podem ter efeitos diferentes em homens e mulheres; A maconha medicinal pode ser um dos elementos terapêuticos que ativa respostas diferentes de acordo com o sexo. Levando em conta o número crescente de mulheres fazem uso da maconha, os cientistas acreditam que é hora de começar a prestar mais atenção nisso.

“É importante investigarmos como os efeitos da maconha diferem entre homens e mulheres porque um número crescente de indivíduos está fazendo uso dela com objetivos terapêuticos”, afirma Chandni Hindocha, pesquisadora que estuda os canabinoides (compostos químicos da maconha, como o THC e o CBD) na Universidade College London. “Dados pré-clínicos sugerem que as mulheres podem sentir mais efeitos colaterais que os homens. Precisamos esclarecer isso a fim de permitir que as mulheres equilibrem os prós e os contras de receber maconha medicinal – além de outros medicamentos.”

A maioria das pesquisas qualitativas em humanos sobre os efeitos terapêuticos da maconha se concentraram no alívio da dor, e até o momento, essa é a área com as maiores evidências. Outras indicações estão começando a emergir, desde profilaxia para náuseas induzidas pela quimioterapia, ansiedade, TEPT ou TPM. Contudo, muito poucos estudos investigaram a diferença entre os sexos.

Ao analisar a literatura científica sobre o assunto, Ziva Cooper, professora associada de biologia clínica na Universidade de Columbia, nos EUA, decidiu que era hora de agir. “No que diz respeito à maconha e aos canabinoides, existem muitos estudos em animais que revelam diferenças profundas entre machos e fêmeas, especialmente na área de alívio da dor. Esses achados despertaram meu interesse no estudo em humanos”, explica.

Ao focar no alívio da dor, ela testou como as diferenças na sensibilidade à dor e na tolerância diferem entre os consumidores de maconha homens e mulheres. Em um estudo controlado com placebo, de 2016, Cooper e um colega fizeram participantes que já eram fumantes regulares de maconha colocarem a mão em água gelada a fim de reportar a quantidade de dor sentida e o quanto podiam tolerá-la, após fumar um cigarro de maconha. Os homens aparentaram enfrentar um maior alívio da dor do que as mulheres.

Estudos com animais podem orientar parcialmente a compreensão desses achados. Experimentos indicaram que ratazanas são mais sensíveis aos efeitos de alívio da dor do THC, o principal constituinte psicoativo da maconha. Contudo, quando esse composto é administrado todos os dias, elas também desenvolvem a tolerância mais rapidamente do que os machos. Isso significa que, no longo prazo, elas podem necessitar de doses mais altas de THC para conseguir o mesmo efeito de alívio da dor.

“Observamos os efeitos da maconha em vários usuários pesados de maconha recreativa. É possível que as mulheres não estivessem sentindo alívio da dor porque desenvolveram uma tolerância a esse efeito, necessitando de doses maiores”, aponta Cooper. “Precisamos estudar posologias maiores para mulheres e medir os efeitos da maconha e dos canabinoides na população de pacientes que são usuários leves, a fim de determinar quanta maconha e canabinoides são necessários para aliviar a dor.”

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Em uma revisão publicada há alguns meses na Nature Neuropsychopharmacology, a pesquisadora colocou essas conclusões em perspectiva com outros achados sobre o assunto. Além dos efeitos na diferenciação entre os sexos para administração da dor, a pesquisa observou que as fêmeas também podem ter efeitos adversos mais fortes que os machos no uso da maconha medicinal.

Por mais que os dados evidenciem de que os homens são mais propensos a se tornarem usuários de maconha, isso contradiz os resultados de estudos conduzidos tanto em animais quanto em humanos. As fêmeas parecem ser mais sensíveis aos canabinoides e a aumentar o consumo mais rapidamente, chegando ao ponto de vício. Quanto elas interrompem o uso da droga, os sintomas da retirada também aparentam ser mais fortes – e elas são mais propensas a apresentar ansiedade e náuseas.

Ainda não se sabe quais são os mecanismos biológicos que levam a todas essas diferenças. “O que está mediando essas diferenças? Será que é porque temos diferenças nos receptores de canabinoides no cérebro?”, Cooper se questiona. “Será que é porque a droga é metabolizada de modo diferente? Ou talvez essas diferenças sejam estimuladas pelos hormônios.”

Embora seja cedo para afirmar, sua revisão argumenta que quebra metabólica da maconha no corpo pode ser diferente entre homens e mulheres.

Os homens e as mulheres também parecem ter preferências diferentes no modo de consumir maconha; as mulheres costumam preferir os produtos comestíveis. Explorar como a via de administração pode alterar os efeitos da droga também será crucial no futuro. Estudos futuros também precisarão observar os efeitos da dor concomitantemente a outras condições pregressas, pois as evidências sugerem que as mulheres são mais propensas a ingerir a maconha medicinal para auxiliar no tratamento de questões de saúde mental como ansiedade e depressão.

Responder a todas essas questões não será nada fácil, em particular porque a pesquisa com a maconha recebe pouco financiamento e ainda é rigorosamente controlada, portanto, desenhar estudos rigorosos não é nada fácil. Muitas variáveis devem ser controladas, das doses administradas aos participantes aos métodos de consumo, o tipo de dor que os pacientes podem sentir e outros fatores sociais relevantes.

“Se você comparar pacientes homens e mulheres ou usuários dependentes de maconha, quaisquer diferenças entre os sexos podem ser confundidas com fatores ambientais, como influências sociais sobre o uso de drogas medicamentosas ou recreativas”, afirma Tom Freeman, professor fellow sênior no King’s College London. Esses desafios explicam por que ainda há poucas pesquisas com a maconha medicinal apesar das recentes mudanças nas políticas e, mais especificamente, por que a investigação das respostas das mulheres só recentemente começaram a ser vistas como prioridade.

Para os pesquisadores da área, a situação não mudará tão cedo. “As coisas precisarão mudar. Precisamos de pesquisa de qualidade e incluir a resposta das mulheres desde o início. De outro modo, sempre concluiremos que existem evidências limitadas para o uso medicinal da maconha”, Hindocha afirma. “Como poderemos usar a maconha de modo mais seguro, quem se beneficiará disso? Ao observar o número crescente de usuários de maconha medicinal, incluindo as mulheres, são perguntas urgentes que não podem mais ser ignoradas.”

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#PraCegoVer: Fotografia de duas mãos, uma passando um baseado para a outra.

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