A hipocrisia da guerra às drogas não tem ideologia

Fotografia de manifestantes levantando uma faixa branca com os dizeres em vermelho “Chega de hipocrisia!”, durante a Marcha da Maconha do Rio de Janeiro, em 2014. Senad.

A guerra às drogas é um negócio altamente lucrativo e por isso é mantida pelos governos, mandato após mandato, mesmo que ao custo de milhares de vidas. O interesse pela manutenção dessa política também se dá pelo ganho de votos, uma vez que os políticos sabem que ao assumirem essa posição serão eleitos pela hipócrita sociedade. Entenda mais sobre o tema no texto do juiz de direito Luís Carlos Valois* para o portal Justificando.

As políticas de drogas têm sido as que mais revelam a nossa hipocrisia como sociedade. E com hipocrisia não se brinca, pois a verdade do hipócrita é normalmente defendida com mais afinco e resistência do que a própria verdade.

Não por acaso, em campanha política, principalmente para um cargo majoritário, dificilmente um candidato vai assumir uma postura favorável à descriminalização das drogas. A não ser aquele candidato que tem poucas chances e quer ganhar os votos de alguns conscientes e preocupados com a questão, a maioria com chances reais de eleição será omisso ou favorável a se continuar com a política de morte e encarceramento que é a política de drogas.

Podemos ver facilmente, sem susto nenhum, um candidato com um copo de whisky na mão falar que se deve prender e matar alguém que estava vendendo maconha. Candidatos podem beber, fumar e cheirar socialmente, mas o discurso bonito é o da proibição.

Nesse mar de hipocrisia, algumas pessoas confundem ser de direita ou ser de esquerda com a posição do candidato com relação à política de drogas, achando que para ser favorável à descriminalização tem que ser de esquerda. Ledo engano, porque há inúmeros milionários liberais, bilionários neoliberais, mundo à fora, favoráveis à descriminalização das drogas.

“Richard Branson, Sean Parker e George Soros são alguns exemplos. Em 2014, um relatório de 81 páginas foi assinado por cinco ganhadores do prêmio Nobel de economia, pedindo o fim da guerra às drogas por motivos óbvios: um mundo sem drogas é impossível; a proibição nunca funcionou; a proibição causa mais danos que o uso; a proibição tem levado à corrupção e ao encarceramento em massa; e porque devemos aprender com nossos erros (HAGLAGE, 2014).”

O filósofo húngaro Thomas Szasz, liberal radical, dizia que a política de drogas é uma “sovietização” da saúde pública, com o Estado querendo controlar o que as pessoas consomem ou não. Um governo deve ser servidor do cidadão, não senhor do cidadão, “porque esperamos ser tratados como adultos responsáveis moralmente, não como crianças irresponsáveis ou pacientes incompetentes mentalmente; e porque possuímos nossos direitos alienáveis como pessoas, não como beneficiários de um Estado magnânimo”. (1992, p. 96).

Em falar em “sovietização”, foi justamente a questão das drogas uma das poucas que uniu Estados Unidos e União Soviética na história da Liga das Nações e da ONU. Pensava-se estar protegendo pessoas ao se entregar a política de drogas para a polícia e, ao proibir as drogas, a União Soviética se mostrava eficiente, moralmente correta, e alinhada com o resto do mundo em uma questão, na época, tida como humanitária (Valois, 2016).

A hipocrisia soviética estava em querer posar de eficiente, mesmo apesar de sofrer grandes problemas com o alcoolismo, mas enquanto a base do proibicionismo no ocidente era a moral, a necessária aparência de correção dentro de um mundo cheio de miséria e exploração, a base do proibicionismo na URSS vinha da própria estrutura leninista da revolução, a tal disciplina do operariado, que não podia compactuar com o relaxamento das drogas.

A questão das drogas é um ótimo exemplo de como a política soviética se desviou do próprio pensamento de Marx, que viveu em um momento crucial do início do que vemos hoje como guerra às drogas. Vivo, Karl Marx viu a Inglaterra impor a compra de ópio pela China nas guerras que ficaram conhecidas como “Guerras do Ópio”.

Sim, o primeiro grande traficante da modernidade foi a própria Inglaterra, que vendia ópio para a China quase que compulsoriamente. Pois bem, nesse período Karl MARX escrevia para o New York Daily Tribune, e criticou veementemente a política de guerra para venda de ópio para a China, mas não porque fosse a favor da proibição do ópio, mas porque a Inglaterra estava violando uma das leis do livre mercado e impondo não um comércio à China, mas um monopólio (1975).

“Hoje, a esquerda consciente defende a descriminalização das drogas porque a proibição tem agravado a injustiça social, o racismo e a seletividade do sistema, mas a direita consciente também tem defendido a descriminalização, pelo livre mercado e pelo desvio de fortunas que caem nas mãos do crime organizado de rua. O difícil mesmo de combater é a hipocrisia que tem sustentado tanta violência e repressão todos esses anos.”

Quando se tenta ser racional e objetivo, é indiferente se é de esquerda ou de direita, fica claro que a política de guerra às drogas é absurda, falida, cara, assassina, agravando os males sociais.

Marx viveu em um período em que se acreditava na política feita de forma racional, por isso defendeu inclusive o livre mercado, na certeza de que o capitalismo, em certas situações, poderia ruir como consequência do seu próprio desenvolvimento, e foi contra a política da Inglaterra não por ser uma política de livre mercado, mas por ser uma política de monopólio. O pior não era a venda de drogas, mas o monopólio da venda de drogas.

Atualmente, o monopólio da venda das drogas consideradas ilegais está nas mãos do crime organizado, aquele de rua e aquele que anda de helicóptero, ambos inclusive contra a descriminalização das drogas, enquanto pobres, negros e miseráveis são encarcerados todos os dias como bodes expiatórios.

Por isso, antes de escolher um candidato, se ele não for favorável à descriminalização das drogas, independentemente se ele é de direita ou de esquerda, veja pelo menos se ele está agindo assim porque não quer perder votos – o que não deixa de demonstrar uma certa racionalidade – se é porque não quer perder parte do negócio que financia a sua própria campanha ou se é porque ele é completamente louco e alienado.

*Luís Carlos Valois é Juiz de direito, mestre e doutor em direito penal e criminologia pela Universidade de São Paulo – USP, membro da Associação de Juízes para Democracia – AJD, e porta-voz da Law Enforcement Against Prohibition – LEAP (Agentes da Lei contra a Proibição).


Referências:
HAGLAGE, Abby. EconomistsSlamtheWanonDrugs in a New London SchoolofEconomics Report. In: Daily Beast. 05.05.14. Disponível em <https://www.thedailybeast.com/economists-slam-the-war-on-drugs-in-a-new-london-school-of-economics-report>. Acesso em 02.06.18.
MARX, Karl. Marx on China, 1853-1860. Articlesfrom New York Daily Tribune. New York, EUA: Gordon Press, 1975.
VALOIS, Luís Carlos. O direito penal da guerra às drogas. Belo Horizonte: Editora d’Plácido, 2916.
ZSAZS, Thomas. Ourrighttodrugs: the case of a free market. New York, EUA: Syracuse University Press, 1992.

 

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#PraCegoVer: fotografia de capa de manifestantes levantando uma faixa branca com os dizeres em vermelho “Chega de hipocrisia!”, durante a Marcha da Maconha do Rio de Janeiro, em 2014. Créditos: Renato Cinco.

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